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Argentina concorre à Palma de Ouro com 2º longa
DA REPORTAGEM LOCAL
A estréia na direção de longas-metragens da argentina Lucrecia
Martel ("Pântano", 2001) foi saudada pelo Festival de Berlim com
o Prêmio Alfred Bauer, concedido
aos que "abrem novas perspectivas na arte do cinema".
Seu segundo filme, "La Niña
Santa", está na corrida pela Palma
de Ouro em Cannes (de 12 a 23/5).
De Buenos Aires, por telefone,
Martel conversou com a Folha sobre sua carreira no cinema, tão recente e já consolidada.
(SA)
Folha - O convite para competir
pela Palma de Ouro em Cannes assevera que a sra. consolidou um estilo no cinema?
Lucrecia Martel - Não consigo
enxergar em mim um estilo. O
que posso dizer é que, a partir de
"Pântano", percebi que há certos
temas e uma determinada forma
de tratá-los que me interessa.
Folha - Quais são esses temas?
Martel - Sobretudo o da construção da realidade e o lugar que,
nessa construção, o desejo ocupa.
A religião me interessa porque é
um discurso muito forte na construção da realidade.
Freqüentemente, a realidade
não é compreendida como uma
construção. As coisas parecem
naturais, dadas, inamovíveis, como se as pessoas precisassem se
submeter a tudo, passivamente.
Em "Pântano" e "La Niña Santa", eu queria deixar ver que essa
realidade é algo possível de ser
transformado. Queria mostrar
que há certas rupturas que dependem unicamente de nós. Nem tudo precisa ser aceito tragicamente
ou tristemente.
Mas essas são preocupações
complexas, sobre as quais não é
fácil ter um discurso lógico e
amarrado. São coisas que se pode
abordar de forma indireta, com
sutilezas e alusões, muito mais do
que com demonstrações.
Folha - Embora a sra. afirme que a
realidade é uma construção e não
um conjunto de circunstâncias inamovíveis, seu cinema transmite a
sensação de opressão. Os personagens parecem estar sempre sufocados em seus mundos.
Martel - Quero que o espectador
tenha a sensação de que a realidade sufoca os personagens, mas
que ele sinta também certa felicidade nesses personagens, que
perceba sua vitalidade em outros
aspectos, como nos pequenos truques que fazem para ser felizes.
A leitura que a crítica fez de
"Pântano" desconhece o que há
no filme de ambigüidade sexual e
de desejo apontado em diferentes
direções. Tudo foi visto como sinal de decadência, enquanto, para
mim, era signo de vitalidade.
Folha - Vê como um paradoxo que
os filmes da mais notória cineasta
argentina da atualidade não tenham um caráter nacional?
Martel - Eu filmo em Salta [a
1.600 km de Buenos Aires], nem
sequer em Buenos Aires. Para
mim, é vital meu marco social e
cultural. Sinceramente, não me
sinto de forma alguma tão internacional ou global. Se até agora
não pude sair nem da cidade onde
nasci... É um estranho paradoxo.
Folha - De que cineastas se sente
próxima?
Martel - Gosto muito da parte
mais mística e menos metafórica
de Bergman; do humor de Almodóvar, da forma que tem de transgredir o pensamento com esse
humor; gosto muitíssimo do cinema de ação de John Woo; e me entusiasma tremendamente o cinema de meus colegas argentinos,
como Diego Lerman, Pablo Trapero, Adrián Caetano, Ana Poliak, Martin Rejtman.
Mas sinto que minha maior influência vem da conversação familiar da minha casa, um estilo
fundado por minha avó e minha
mãe. O humor, a escuridão, tudo
o que está em torno dele é minha
fonte narrativa número um.
Folha - A sra. disse que necessita
filmar em sua cidade-natal. Escrever o roteiro de "La Niña Santa" na
França, como bolsista da Cinefondation, entidade de formação profissional mantida pelo Festival de
Cannes, e ter o espanhol Pedro Almodóvar como co-produtor mudou
algo em sua perspectiva?
Martel - Descobri que a distância
da Argentina não me favorece.
Escrevi muito pouco na França.
Consegui apenas ordenar o que já
havia escrito. Tive de voltar para a
Argentina para concluir o roteiro.
Quanto a Almodóvar, sua produtora é muito respeitosa com o
cinema. Eles intervieram unicamente nos apoiando, jamais tentando modificar questões narrativas ou de elenco. Sinceramente,
foi um luxo trabalhar com eles.
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