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"MARIO REIS - UM CANTOR MODERNO"
Vanguardista da voz nos anos 30 tem obra resgatada
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cantor vanguardista carioca
Mario Reis (1907-81) ganha reedição de vulto da fatia mais importante de sua obra. Em três CDs, a
caixa "Mario Reis - Um Cantor
Moderno" recupera a totalidade
de suas gravações na RCA Victor,
registradas entre 1932 e 1935.
São 47 faixas, que passam a limpo o primeiro surto de modernização dos sistemas de música gravada no Brasil -Reis foi um dos
principais introdutores de tecnologias de gravação com microfone, que o permitiram cantar mansamente, sem os exageros de peito
dos cantores da época.
Sem precisar gritar para que sua
voz ficasse gravada nos discões,
Mario fez história cantando de
modo contido, mas encorpado,
cínico, mas terno, disciplinado,
mas bem-humorado. Seria inevitável que, quando surgisse em
1958, o canto sussurrado de João
Gilberto fosse tido como tributário direto das invenções de Mario
Reis.
A RCA Victor a que Mario chegou em 1932 era um viveiro de
grandes talentos da era de ouro da
música e da canção nacional. O
diretor artístico da gravadora era
Pixinguinha. Lamartine Babo era
autor regular da casa. No elenco,
Carmen Miranda iniciava trajetória fulminante de cantora, mais
ou menos ao mesmo tempo.
O acompanhamento era de dois
grupos formados e regidos por Pixinguinha, A Guarda Velha e Os
Diabos do Céu, ambos formados
pelos mesmos João da Baiana,
Bonfiglio de Oliveira, Luiz Americano, entre outros.
Com todos esses artistas Mario
Reis trabalharia em proximidade.
Quatro seriam os registros em dupla, de Mario com Lamartine e
sua voz desengonçada. Gravaram
juntos, em 1932, as futuras marchinhas carnavalescas clássicas
"Linda Morena" e "Aí!... Hein?...".
Sozinho, Mario celebrizou mais
traquinagens de Lamartine, como
"Uma Andorinha Não Faz Verão"
(parceria com João de Barro) e,
sobretudo, "Rasguei a Minha
Fantasia".
Mas seria Carmen Miranda o
principal par de Mario nos anos
RCA Victor. O pacote inclui cinco
duetos dos dois, que iam de festa
junina ("Isto É Lá com Santo Antônio" e "Chegou a Hora da Fogueira", ambas também de Lamartine) a moderno Carnaval telefônico ("Alô..., Alô?...", de André Filho).
Enfim, "As Cinco Estações do
Ano" (outra de Babo) gravava um
encontro de titãs nascentes: era
cantada por Mario, Carmen, Lamartine e Almirante.
Embora a associação Lamartine-Mario definisse a alma de suas
canções na fase 1932-35, o cantor
passeou por galeria impressionante de outros compositores,
contribuindo para a revelação de
bambas como Noel Rosa ("Tenho
Raiva de Quem Sabe"), Ary Barroso e Capiba ("É de Amargar").
Mario gravou Bide e Marçal
("Agora É Cinza", "Meu Sofrimento"), João de Barro ("Linda
Mimi"), Heitor dos Prazeres
("Não Sei que Mal Eu Fiz"), Herivelto Martins ("Mais uma Estrela"), Assis Valente ("Este Samba
Foi Feito pra Você"), Kid Pepe
("Adeus, Saudade"), os também
virtuosos vanguardistas Custódio
Mesquita ("Doutor em Samba") e
Benedito Lacerda ("Estás no Meu
Caderno").
Soava avançado não só pelo repertório, mas também por fazer
contraponto corajoso com os vozeirões de Francisco Alves e Silvio
Caldas, por exemplo. No futuro,
quase todo mundo iria na cola das
impressões digitais da sua voz, de
Lúcio Alves a Dick Farney, de
João Gilberto a Roberto Carlos, de
Chico Buarque a Caetano Veloso.
Era quase sempre leve e inconseqüente, mas chegava a visar de
raspão crítica de costumes ("Ride... Palhaço...") e política ("Cortada na Censura"). No mais, tudo
era Carnaval (ou festa junina) e
romantismo atormentado.
Seus domínios formais, quase
sempre, eram os do samba, ato
em que o playboy Mario Reis se
fez de ponte, unindo as pontas
distantes da alta cultura e do subúrbio da época. Não à toa, ganhou a alcunha de "bacharel do
samba", passando a morar também na vanguarda dos que quiseram e querem dizimar preconceitos sociais pela via pop da música.
Mario Reis esteve em todas essas
vanguardas.
MARIO REIS - UM CANTOR MODERNO.
Caixa de CDs de Mario Reis. Lançamento:
BMG. Quanto: R$ 80, em média.
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