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Religião guiou relação com música
DA REPORTAGEM LOCAL
Negra Li não usa a retórica do
dom, tão comum entre artistas, ao
descrever sua aproximação com a
música. "Não tenho muito conhecimento de música, meu pai não
tinha vários discos. Minha família
é evangélica e não tinha som nem
TV em casa. Meu pai tocava saxofone na igreja, eu freqüentava e
gostava da hora de cantar os hinos, fui vendo que cantava afinado", recapitula.
As relações com a religião foram
orientando também o modo de
receber música: "Minha mãe até
hoje é da mesma igreja, mas hoje
já tem TV, rádio".
A música de rádio que a despertou foi o rhythm'n'blues norte-americano, antes mesmo de qualquer contato com o hip hop. "Não
sou conhecedora da música brasileira antiga, mas ouvia rádio,
Whitney Houston. Imitava mesmo sem saber inglês, aprendi "Killing Me Softly" tudo errado, mas
cantava mesmo assim", diz.
Os irmãos mais velhos se ligaram em hip hop graças aos Racionais MC's; a ligação começava a se
estabelecer. "Aos 16 anos entrei
num grupo, foi só veneno. Não
ganhava um real sequer, saía a pé
para cantar em quermesse, dez
pessoas assistiam."
As religiões atravessam também a trajetória de Helião, de modo mais tumultuado. "Comecei
mesmo foi no candomblé. Minha
mãe era filha de santo, toquei atabaque por oito anos, até que virei
adventista e desandei de novo, fui
tocar com uma banda de rock que
tocava Uriah Heep, AC/DC, Iron
Maiden...", ele conta.
Helião explica o que significa
"desandar", na época desses Prisioneiros do Apocalipse: "Eu estava dando problema em casa, andando com uma rapaziada desandada, que se drogava para caramba, ia para o crime".
A virada seguinte foi mais musical que religiosa: Helião se integrou ao grupo de samba da favela
da Mandioca, e os covers de heavy
metal foram trocados por outros
de Zeca Pagodinho, Fundo de
Quintal, Art Popular.
"Eu batucava na mesa, enquanto minha mãe fazia almoço e cantava Jair Rodrigues, Almir Guineto, Os Originais do Samba. Me
apaixonei pela música brasileira,
passei a ouvir Nando Reis, Marisa
Monte, Djavan, Tom Jobim, Cartola", relata as liturgias.
"Foi Sabotage quem ensinou
para nós isso de se relacionar com
outras tendências e paradas", homenageia, referindo-se ao rapper
que também chegou a integrar a
"família" RZO e foi assassinado
em 2003, aos 29 anos.
"Aí me desiludi com o samba, é
difícil formar uma banda, um esquema. Para fazer rap era só descolar um parceiro, um DJ, comprar umas bases de vinil e sair
cantando no baile."
Apesar de tanto passeio que fez
pelos estilos, Helião relativiza, como faz a parceira, o discurso sobre o dom da música: "A gente
sempre foi ignorante, não tinha
conhecimento técnico". Mas o
rap havia chegado, a música mudava sob seus olhares atentos.
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