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58º FESTIVAL DE CANNES
Famoso por dirigir comédias, americano muda locações para Londres porque "as pessoas interferem demais nos filmes nos EUA"
Allen avança para tragédia em "Match Point"
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Apesar da ironia e de algumas
brincadeiras que pontuam o conjunto, "Match Point", filme de
Woody Allen que estreou ontem
no Festival de Cannes, não é uma
comédia. É um melodrama de
tom bastante grave e com desfecho trágico -um caminho inédito na obra do diretor americano,
que fará 70 anos em dezembro.
"Match point" é uma expressão
usada no tênis para designar a
conquista de um ponto que pode
encerrar uma partida. É um momento muito difícil e dramático
para os jogadores.
No filme, um professor irlandês
de tênis (vivido por Jonathan
Rhys Meyers), pobre e ambicioso,
dá aulas para a alta burguesia londrina e se envolve com a família
de um aluno milionário (Matthew
Goode). Acaba se casando com a
irmã (Emily Mortimer) do amigo
rico, embora apaixonado por outra mulher, uma atriz americana
(Scarlett Johansson), com quem
continua se encontrando após o
matrimônio. O jogo se complica
infinitamente quando a atriz revela que está grávida.
Na primeira metade, "Match
Point" está muito inspirado pelos
romances ingleses do século 19
que abordaram dramas de ascensão social, como os de Thackeray
("Barry Lyndon", "Vanity Fair"),
e tem também algo da observação
psicológica de Henry James. Depois, se envereda de maneira
meio apressada pelo mundo de
Dostoiévski, cuja obra-prima
"Crime e Castigo" é citada no filme, que termina com uma reflexão sobre culpa e punição.
"Queria fazer um link entre o
meu pequeno filme e este grande
romance do século 19 que é "Crime e Castigo'", disse Allen em entrevista à imprensa, logo após a
exibição de "Match Point". "Mas
é impossível você obter a profundidade do romance de Dostoiévski em um filme", completou, ao
lado da supersexy Scarlett Johansson e de Emily Mortimer e Jonathan Rhys Meyers, que compõem
o trio amoroso do filme.
"Match Point" é o primeiro trabalho de Allen rodado na Inglaterra e foi feito sobretudo com patrocínio britânico, como o da rede
BBC. Talvez por isso, às vezes tenha um ar turístico, mostrando o
Tâmisa, o Parlamento, a guarda
da rainha e a galeria Saatchi.
Segundo Allen, que não atua no
filme, "Match Point" poderia no
entanto ser filmado em qualquer
lugar. "Poderia se passar em Paris
ou Nova York. Só o fiz em Londres porque está cada vez mais difícil filmar nos EUA. Eles interferem demais no trabalho, começam a dar opinião em tudo", afirmou o cineasta.
Se os romances do século 19 tinham desfecho moralizador, o de
Woody Allen termina de modo
totalmente cínico, o que moderniza a trama antiquada. Mas Allen
nega que esteja sendo cínico ao
mostrar um crime que não é punido. "Há centenas de crimes na
sociedade que não são punidos",
disse ele na entrevista coletiva, em
que permaneceu sério a maior
parte do tempo.
Mais interessante, porém, que o
volteio dostoievskiano do diretor
é o modo como ele descreve, com
bastante "humor", as infelicidades da vida conjugal. Aliás, o filme
de Allen é o segundo em Cannes,
após a produção francesa "Lemming" (sobre as desgraças de um
jovem casal), a demonstrar um
interesse muito perverso em desconstruir casamentos.
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