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Cantor hoje prefere rotina caseira e literária à musical
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A cantora Ana de Hollanda recorda a cena: o irmão chega em
casa, todo prosa por ter sido reconhecido na rua, e faz pose para
perguntar: "Você está me achando com cara de Chico Buarque?".
Era 1965, ele tinha 21 anos e saboreava seus primeiros sucessos.
Hoje, unanimidade nacional, ele
certamente adoraria ser Chico
Buarque sem ter a cara tão conhecida de Chico Buarque.
"É significativo que o personagem de "Budapeste" seja um
ghost-writer que se isola para escrever e pode observar o resultado daquilo que escreve sem se expor. É o que ele gostaria para ele",
diz a amiga Regina Zappa, jornalista que escreveu um livro sobre
Chico para a série Perfis do Rio.
Nesse quesito, ele certamente
inveja o amigo Rubem Fonseca,
que anda pelo Rio sem ser reconhecido. Mas Chico não chega a
ser recluso. Caminha no calçadão
da praia quase diariamente: do
Leblon, onde mora, até o Arpoador, onde costuma mergulhar.
Janta uma vez por semana com os
amigos Edu Lobo, Miguel Faria Jr.
e Ruy Solberg. Só se expõe menos.
"Ele está muito mais caseiro",
reconhece a primogênita Sílvia,
35. Chico já deixou a boemia faz
tempo. Em tempos de democracia, não se sente mais obrigado a
exercer um papel político permanente. Está livre para ter uma vida
mais privada do que pública.
Até pouco tempo, nem e-mail e
celular tinha. Hoje já tem, mas
não usa muito. Prefere ver filmes
e futebol no home theater, ler e escrever. Mas essa rotina mais de escritor do que de músico parece estar chegando ao fim.
"Ele só vai se sentir liberado
quando acabarem todos os compromissos ligados ao livro ["Budapeste']", diz Regina Zappa.
Certamente antes de 2005 não
haverá novo disco, muito menos
novo show. Voltar à música significa ficar mais exposto e lidar com
cobranças do senso comum.
"Ficam me perguntando: "Por
que você não faz aquelas músicas
de antes?". Não faço porque eu já
fiz, quero fazer coisas diferentes",
disse ele numa entrevista de 1995.
Além da literatura, o perfeccionismo é um fator que explica a diminuição da produção musical. E,
como em todo processo criativo,
insegurança também existe.
"Eu me lembro de ele me perguntar uma vez se tinha gostado
de um disco dele", conta Ana de
Hollanda. "Eu disse "é claro", e comentei algumas coisas. Jamais
imaginei que ele ainda precisasse
disso. Mas ele falou: "Se as pessoas
não falam, como eu vou saber?'".
As irmãs Ana, Cristina e Maria
do Carmo, a Piii, atuavam no coro
das primeiras experiências musicais do adolescente Chico. Os irmãos Sérgio e Álvaro sempre adoraram música, mas sem tocar instrumento. Miúcha, a primogênita
de Sérgio Buarque de Hollanda e
de Maria Amélia, foi a primeira a
aprender violão e saiu de casa para casar com João Gilberto.
"Mamãe não gostava da idéia de
a gente ter a música como profissão", conta Miúcha, lembrando
que o pai era mais simpático à
idéia. Ana recorda, emocionada,
que o pai ficou tentando se lembrar da letra de "O que Será" na
sua última noite de vida, em 1980.
E era comum ele exaltar achados
poéticos do filho. Achados tão poderosos que deixaram os outros
artistas da família numa sombra.
"Mesmo eu, que era mais velha,
era tratada como "irmã do Chico".
Diziam: "Coitadinha, não tem
olho verde'", diz Miúcha, rindo.
Ela e Ana evitaram o Buarque para criar uma diferença.
A família participa da exposição
que comemora os 60 anos de Chico, em julho, na Biblioteca Nacional. O curador é o sobrinho Zeca,
que tem reunido fotos e imagens
de TV pouco ou nada conhecidas.
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