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"Ter e Manter" examina grandes colecionadores e suas paixões
Dom de POSSUIR
ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO
"Toda paixão beira o caos, a do
colecionador beira o caos da memória." A frase de Walter Benjamin (1892-1940) é um dos recursos que o alemão Philipp Blom,
33, usa na tentativa de examinar o
colecionismo em "Ter e Manter
-Uma História Íntima de Colecionadores e Coleções".
O livro envereda pelo cotidiano
e pela intimidade de grandes colecionadores a partir do Renascimento, quando a busca por raridades e/ou bizarrices ganhou fôlego e passou a movimentar valores enormes e paixões ainda
maiores. Exemplo disso são as
criaturas de Ulisse Aldrovandi
(1522-1605) e as circunvoluções
emocionais de Rodolfo de Habsburgo (1552-1612), cuja coleção
almejava reunir tudo o que fosse
"rico e estranho", citando "A
Tempestade" shakespeariana.
"O intercâmbio de culturas foi
extremamente importante, especialmente durante o Renascimento, quando despertou uma onda
de colecionismo e ajudou a promover um entendimento científico do mundo", disse à Folha o
pesquisador. "Além isso, provavelmente a ascensão dos museus
no século 19 seria um outro momento-chave, uma época em que
essa relação passou de intercâmbio a uma questão de submissão
de outras culturas à mente ocidental", completa Blom.
Para chegar até o século 19 e a
suas grandes coleções públicas, o
autor examina o percurso de fatos
e nomes, como o de John Tradescant (c. 1570-1638). Ele fora jardineiro do duque de Buckingham,
colecionou plantas e passou aos
objetos. O colecionador e sua família, porém, foram pegos em
uma armadilha pelo advogado,
cientista e também colecionador
Elias Ashmole, que adquiriu todas as peças "pelo preço simbólico de um xelim" e acabou doando
a coleção à Universidade de Oxford. Formava-se, assim, o Ashmolean Museum; para Blom, "deveria, por direito, ser o Tradescantian Museum".
Menos azar teve o dr. Frederik
Ruysch (1683-1731), embalsamador e anatomista, que vendeu sua
coleção de anatomia -partes do
corpo e bebês prematuros embalsamados- ao czar Pedro, o
Grande, que formou em São Petersburgo sua "Kunstkamera",
em que se encontram conservados de fetos siameses a animais
empalhados, além da peculiar coleção de dentes, que o czar, "se julgando excelente cirurgião", arrancava de seus súditos mesmo
que não houvesse necessidade.
Mais tarde, coleções essenciais
fomentadas por Napoleão Bonaparte ou perseguidas pelo banqueiro J. Pierpont Morgan ajudaram a dar forma e dignidade a
uma paixão que pode subsistir
com igual força em manuscritos
seculares ou em Hello Kitties falsificadas. "Enquanto houver coisas
em volta de nós e as pessoas se interessarem por elas, haverá quem
as acumule e as reúna em torno de
si, sejam coisas tolas ou sublimes.
A beleza, afinal de contas, está nos
olhos de quem vê", conclui Blom.
TER E MANTER - UMA HISTÓRIA
ÍNTIMA DE COLECIONADORES E
COLEÇÕES. De: Philipp Blom. Editora:
Record. Quanto: R$ 42 (308 págs.).
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