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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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"Ter e Manter" examina grandes colecionadores e suas paixões

Dom de POSSUIR

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

"Toda paixão beira o caos, a do colecionador beira o caos da memória." A frase de Walter Benjamin (1892-1940) é um dos recursos que o alemão Philipp Blom, 33, usa na tentativa de examinar o colecionismo em "Ter e Manter -Uma História Íntima de Colecionadores e Coleções".
O livro envereda pelo cotidiano e pela intimidade de grandes colecionadores a partir do Renascimento, quando a busca por raridades e/ou bizarrices ganhou fôlego e passou a movimentar valores enormes e paixões ainda maiores. Exemplo disso são as criaturas de Ulisse Aldrovandi (1522-1605) e as circunvoluções emocionais de Rodolfo de Habsburgo (1552-1612), cuja coleção almejava reunir tudo o que fosse "rico e estranho", citando "A Tempestade" shakespeariana.
"O intercâmbio de culturas foi extremamente importante, especialmente durante o Renascimento, quando despertou uma onda de colecionismo e ajudou a promover um entendimento científico do mundo", disse à Folha o pesquisador. "Além isso, provavelmente a ascensão dos museus no século 19 seria um outro momento-chave, uma época em que essa relação passou de intercâmbio a uma questão de submissão de outras culturas à mente ocidental", completa Blom.
Para chegar até o século 19 e a suas grandes coleções públicas, o autor examina o percurso de fatos e nomes, como o de John Tradescant (c. 1570-1638). Ele fora jardineiro do duque de Buckingham, colecionou plantas e passou aos objetos. O colecionador e sua família, porém, foram pegos em uma armadilha pelo advogado, cientista e também colecionador Elias Ashmole, que adquiriu todas as peças "pelo preço simbólico de um xelim" e acabou doando a coleção à Universidade de Oxford. Formava-se, assim, o Ashmolean Museum; para Blom, "deveria, por direito, ser o Tradescantian Museum".
Menos azar teve o dr. Frederik Ruysch (1683-1731), embalsamador e anatomista, que vendeu sua coleção de anatomia -partes do corpo e bebês prematuros embalsamados- ao czar Pedro, o Grande, que formou em São Petersburgo sua "Kunstkamera", em que se encontram conservados de fetos siameses a animais empalhados, além da peculiar coleção de dentes, que o czar, "se julgando excelente cirurgião", arrancava de seus súditos mesmo que não houvesse necessidade.
Mais tarde, coleções essenciais fomentadas por Napoleão Bonaparte ou perseguidas pelo banqueiro J. Pierpont Morgan ajudaram a dar forma e dignidade a uma paixão que pode subsistir com igual força em manuscritos seculares ou em Hello Kitties falsificadas. "Enquanto houver coisas em volta de nós e as pessoas se interessarem por elas, haverá quem as acumule e as reúna em torno de si, sejam coisas tolas ou sublimes. A beleza, afinal de contas, está nos olhos de quem vê", conclui Blom.


TER E MANTER - UMA HISTÓRIA ÍNTIMA DE COLECIONADORES E COLEÇÕES. De: Philipp Blom. Editora: Record. Quanto: R$ 42 (308 págs.).


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