São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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O mundo não é o bastante

Ciete Silverio/Folha Imagem
O roteirista Bráulio Mantovani, que escreve "Intolerância 2" para o diretor Fernando Meirelles filmar


Com uma história global, novo filme de Fernando Meirelles escrito por Bráulio Mantovani retoma a invenção do cinema

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No Oscar 2004, Bráulio Mantovani sentou-se entre os concorrentes. O brasileiro estava indicado à estatueta pelo roteiro de "Cidade de Deus", adaptado do livro homônimo de Paulo Lins (Companhia das Letras, 552 págs.) e dirigido por Fernando Meirelles.
O roteirista não levou o prêmio (vencido pela equipe de "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei"), mas selou uma guinada definitiva na carreira de quem viu seu primeiro trabalho no cinema vencer um festival em todas as categorias principais, menos a sua.
O média-metragem "Carlota/Amorosidade" (1987, 45 min.) foi consagrado no Festival de Gramado em 1988, exceção feita ao roteiro de Mantovani, que fundia uma obra do escritor alemão Johann Wolfgang Goethe (1749-1832), "Os Sofrimentos do Jovem Werther", com outra do francês Roland Barthes (1915-1980), "Fragmentos de um Discurso Amoroso". "Era um filme cabeça, bacaninha", defende Mantovani.
Hoje, com o respaldo do sucesso nacional (3,2 milhões de espectadores) e internacional de "Cidade de Deus" (no total, o filme recebeu quatro indicações ao Oscar, também para fotografia, direção e montagem), nenhuma idéia da dupla Mantovani/Meirelles parece irrealizável, ainda que soe um exagero de pretensão até para os seus autores.
"Intolerância 2", o novo longa-metragem que a dupla prepara, desta vez a partir de uma idéia original, toma de empréstimo um título do norte-americano David Wark Griffith (1875-1948), o homem que "inventou" o cinema.
O filme de Mantovani/Meirelles trataria de reinventar a sétima arte contando uma só história, passada em seis países, falada em seis idiomas e protagonizada por personagens em cujas rotinas estarão representadas "todas as contradições da globalização econômica, seus aspectos bons e os ruins", segundo o roteirista.
Mantovani, 40, diz que a idéia de nomear o filme como uma seqüência do "Intolerância" de Griffith surgiu como uma auto-ironia à ambição da dupla. "É uma brincadeira que fizemos, mas o Fernando [Meirelles] acabou divulgando. O nome não vai ser esse. Vamos mudar", afirma.
O título definitivo do filme ainda não foi encontrado. "É difícil. Precisa ser algo que funcione no Brasil e nos outros países. Pensei, por exemplo, em "A História de Todo Mundo", mas não fica bom em inglês."
O roteiro de "Intolerância 2" ficou pronto neste mês. Mantovani encaminhou as 172 páginas da história a Meirelles, que atualmente filma a produção internacional "The Constant Gardener" (O Jardineiro Fiel) na África.
A história provavelmente será reduzida num segundo tratamento do roteiro. "Calcula-se que cada página de um roteiro corresponda a um minuto filmado", diz Mantovani, para concluir que o filme está mais longo do que o desejável com a duração de 2h52.
Embora "não seja sobre indivíduos, mas sim um filme social e político", tendo os efeitos da globalização por tema, "Intolerância 2" não é um filme-tese", diz Mantovani. Por isso ele se vigiou ao escrever, tentando evitar criar "personagens-funções", daqueles que, vistos na tela do cinema, não convencem como donos de uma vida própria.
"Todos serão mostrados com suas contradições. O terrorista, por exemplo, não é tratado nem como herói nem como vilão. Ele é as duas coisas", explica.
Além de um terrorista que vive de acordo com os preceitos do fundamentalismo islâmico, "Intolerância 2" acompanhará a vida de um jovem brasileiro de origem pobre alçado ao padrão da classe média alta; de uma chinesa que ganha a vida num subemprego, enquanto sonha em ser estrela; de um casal de corredores quenianos; de uma norte-americana que trabalha como lançadora de tendências e de uma jovem árabe ocidentalizada.
As histórias dos personagens principais se entrelaçam sob a influência de uma grande corporação. Mantovani ainda não deu à companhia um nome próprio. Ela é designada no roteiro como "a marca".
"A marca" patrocina a pista de atletismo em que os quenianos correm, promove um concurso de vídeo no qual o brasileiro se inscreve, compra os produtos manufaturados pela empresa em que a chinesa trabalha.
"Intolerância 2" tem previsão de ser produzido em 2005. Em fevereiro passado, quando foi a Los Angeles para a cerimônia de entrega do Oscar, Meirelles se reuniu com investidores japoneses interessados no filme. O controle da produção deve ficar com a empresa do cineasta, a O2 Filmes, sediada em São Paulo.
A história de "Intolerância 2" termina com todos os protagonistas reunidos nos Emirados Árabes. Mantovani demorou um ano para escrevê-la. Atualmente, o roteirista prepara para o diretor Bruno Barreto ("O que É Isso, Companheiro?") um roteiro de ficção baseado no documentário "Ônibus 174", de José Padilha.
Padilha aprovou a idéia e produzirá o longa em que a história de Sandro do Nascimento, que seqüestrou o coletivo no Rio e morreu durante a repressão policial ao crime, será contada da perspectiva de "um menino sem mãe em busca de uma mãe e uma mãe sem filho em busca de um filho".


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