São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTES PLÁSTICAS

Espaço para a projeção é inadequado, transformando a apreciação dos trabalhos em uma maratona

Mostra de vídeos no Paço faz público dormir

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Zzzzzzzz." Sentada num pufe branco, Rita de Cássia Alecrim, estudante do curso de Multimeios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, dormia diante da projeção de "Desenho Corpo", de Lia Chaia, um dos 14 trabalhos da mostra "O Corpo entre o Público e o Privado", no Paço das Artes, que termina hoje.
Das 14 obras, todas em vídeo, dez delas são projetadas em "looping" numa mesma tela, levando o visitante a uma maratona de quase duas horas, se quiser conhecer todos os trabalhos da mostra, e a disputar um dos pufes disponíveis para maior conforto. As outras obras são exibidas de forma autônoma.
"Acho boa a exposição, mas caí no sono", afirma Alecrim. Fernando Maffei, seu colega de classe, no entanto, ao saber que "Desenho Corpo", no qual Chaia risca seu próprio corpo com caneta esferográfica até que a tinta acabe, dura 51 minutos, preferiu sair da sala. "Vou dar uma volta e retorno depois", afirmou.
Em vez de seduzir, espantar. Esse, afinal, é um dos dilemas da arte contemporânea. Em 2002, na mais recente edição da Documenta de Kassel, a mostra realizada a cada cinco anos, na Alemanha, que costuma "ditar" novas tendências na arte, essa questão ganhou um novo patamar. As salas com vídeo, até então desconfortáveis e acanhadas, ganharam status de sala de cinema, com arquibancadas confortáveis, dependendo da opinião do próprio artista. O inglês Steve Mcqueen, por exemplo, projetou seus dois espaços, um diferente do outro.
Já em São Paulo, ao menos na mostra do Paço, ecos da Documenta, em como aproximar o público do vídeo, ainda não fizeram efeito. Segundo Daniela Bousso, diretora do Paço, essa questão foi discutida com os curadores da mostra: "Para uma melhor fruição do público, eu acredito que as projeções deveriam ser mesmo desmembradas, mas eles disseram que esses trabalhos foram concebidos para serem exibidos assim, e como esse é um projeto deles, respeitei a decisão".
O Paço, em sua Temporada de Projetos, na qual artistas inscrevem-se para participar e são selecionados por um grupo de especialistas, admitiu, no ano passado, o registro de projetos de curadores, e "O Corpo entre o Público e o Privado", proposto por Arlindo Machado e Christine Mello, é a primeira mostra nesse formato.
"Essa exposição foi organizada a partir de um convite do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, em 2002, para ser apresentada em um auditório, sobre o trabalho de uma nova geração de artistas que trabalham com vídeo no Brasil. Preferimos abordar o sujeito diante das novas mídias, e o corpo tornou-se o tema central. Ao propor essa mostra ao Paço, resolvemos manter o formato de tudo ser apresentado em uma só tela", conta Mello.
Entretanto, da agradável sala de projeção de um auditório para um espaço com apenas alguns pufes, há uma grande diferença. Tal situação não deveria ser levada em conta? "Assistir vídeo é mesmo um problema. Não quisemos transformar os trabalhos em videoinstalação, pois eles não foram pensados assim. Nos Estados Unidos, tinha também o filme "33", do Kiko Goifman, mas que está em circuito comercial e não pudemos exibi-lo. Também gostamos da idéia de a projeção ser a única fonte sonora. Se criássemos outras salas, haveria mais fontes. É como resolver uma equação matemática, a gente tem ainda que aprender", afirma Mello.
Para Chaia, a artista que motivou o sono, uma solução simples ajudaria: "Quando vou a uma exposição com vídeos, a primeira coisa que procuro é saber a duração, assim me programo".


O CORPO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO. Mostra com 14 artistas brasileiros que trabalham em vídeo, utilizando o corpo como tema. Curadoria: Arlindo Machado e Christine Mello. Onde: Paço das Artes (av. da Universidade, 1, USP, SP, tel. 0/xx/11/ 3814-4832). Quando: hoje, último dia, das 12h30 às 17h30. Entrada franca.


Texto Anterior: Dança/crítica: Preljocaj tematiza o erótico e o transcendental
Próximo Texto: Ilustrada: Nos EUA, Caetano iguala Bin Laden e Rice
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.