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Com versos, Dori embala enterro de Caymmi
Cerca de 300 pessoas foram à cerimônia, realizada ontem, no Rio
Filho declamou trecho do clássico "João Valentão'; compositor foi sepultado próximo ao mausoléu onde está Carmen Miranda
DA SUCURSAL DO RIO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO RIO
Acompanhado por quase 300
colegas da música, parentes e
fãs, o corpo do compositor Dorival Caymmi foi enterrado ontem à tarde no cemitério São
João Batista, no Rio, embalado
pelos últimos versos do clássico
"João Valentão", declamados
pelo filho Dori.
Junto da sepultura, com o
vozeirão que lembra o do pai,
Dori recitou: "E assim adormece esse homem/ Que nunca
precisa dormir pra sonhar/
Porque não há sonho mais lindo do que sua terra, não há".
"Essa frase que meu pai escreveu está colada em mim desde que nasci", disse ele, sob
aplausos dos irmãos, Nana e
Danilo, da tia Dinahir (irmã de
Dorival) e de compositores como Marcos Valle, Ronaldo Bastos, Paulo Jobim, Fagner, Jorge
Mautner e Rildo Hora.
Caymmi morreu anteontem
no apartamento em que vivia,
em Copacabana, aos 94 anos,
vítima de insuficiência renal e
falência múltipla dos órgãos. A
viúva, Stella Caymmi, 86, está
em coma há 11 dias.
O corpo do artista foi velado
da tarde de sábado à tarde de
domingo na Câmara dos Vereadores do Rio, por onde passaram cerca de 700 pessoas, incluindo Caetano Veloso e Daniela Mercury. O caixão foi levado num carro do Corpo de
Bombeiros até o cemitério, e foi
enterrado próximo ao mausoléu de Carmen Miranda.
Lá estiveram, entre outros, o
escritor João Ubaldo Ribeiro e
o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. Ubaldo definiu o
compositor como "um dos heróis reais" do país. "Ele tinha
que ir, como todos nós temos
que ir embora algum dia. Mas é
um pedaço do Brasil, da identidade brasileira, do passado cultural desse país."
"O mais baiano"
Ex-genro de Caymmi -foi
marido de Nana nos anos 60- e
autor da canção-homenagem
"Buda Nagô", Gil disse considerá-lo "o mais baiano de todos os
que já conheci na vida".
"Morou praticamente a vida
toda no Rio, mas mantendo
sempre um amor muito grande, manifesto, pela Bahia. Nem
precisava, porque a obra dele
toda é quase que completamente dedicada ao modo baiano, à qualidade e à paisagem
baianas, ao coração baiano. (...)
É uma obra que vai permanecer
enquanto houver Brasil. Enquanto se falar dessa nação, enquanto formos o que somos no
mundo, Caymmi é parte disso."
Para Jorge Mautner, Caymmi é "a graça divina". "É a beleza da mensagem, sempre a celebração da vida, a busca da felicidade. Cada música dele vale
milhares de músicas."
O cantor Pery Ribeiro -filho
de Herivelto Martins e Dalva de
Oliveira, contemporâneos de
Caymmi- foi um dos primeiros a chegar ao cemitério. "Dorival era quase parente nosso. O
primeiro presente que minha
mãe ganhou quando nasci foi
dado por ele, que vivia lá em casa. Meu pai usava chapéu de
pescador em sua homenagem."
O letrista Ronaldo Bastos conheceu Caymmi por meio dos
parceiros Paulo Jobim, filho de
Tom Jobim, e Danilo Caymmi.
"Uma das casas que eram nosso
playground era a casa do Dorival. Ele é meu mestre. Meu único objetivo fazendo música é
chegar àquele grau de simplicidade, concisão, musicalidade."
Amigo dos filhos de Caymmi,
Fagner lembrou a ocasião em
que se conheceram: "Foi no
hall de um hotel na Bahia, os
dois fazendo check-in. Ele
mandou fazer o meu primeiro,
porque eu era visitante, e ainda
me pediu um autógrafo. Era de
uma leveza muito bonita."
João Bosco repetiu um conselho de Caymmi. "Eu o procurei em casa e fiquei tocando
violão para ele. Quando acabei,
ele disse: "João, você devia
comprar só uma capa de chuva
e sair por aí". Numa frase só ele
disse o que era importante na
vida: a música e a capa de chuva, para não pegar resfriado."
No velório, o governador da
Bahia, Jaques Wagner (PT),
disse que "ninguém soube como Caymmi cantar a Bahia".
Para o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), ele
"não era um contestador", mas
colocava "a arte dele à disposição da democracia", em referência ao show realizado em
1980 no Riocentro, em homenagem à volta dos anistiados.
"Lembro-me da comoção que
causou cantando para aquela
multidão."
(ITALO NOGUEIRA, SERGIO TORRES E FABIANE ROQUE)
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