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ANÁLISE
Diretor inaugurou momento reflexivo do cinema nacional
FERNÃO PESSOA RAMOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Rogério Sganzerla foi, durante muitos anos, o "enfant
terrible" da produção nacional.
Com Bressane, Tonacci, Reichenbach, Jairo Ferreira, Neville, tomou nas mãos as rédeas do cinema brasileiro, em uma época (final dos anos 60) de opções radicais. Constituíram o que a crítica
da época chamou de "cinema
marginal", movimento que, em
poucos anos, produziu um número significativo de longas, tão singulares quanto criativos.
"Quando a gente não pode fazer
nada, a gente avacalha e se esculhamba." A frase, dita pelo Bandido da Luz Vermelha, protagonista
do primeiro longa de Sganzerla,
reflete o clima no qual o cinema
marginal começa a filmar: fechamento político, repressão atingindo os cineastas, presença do novo
contexto ideológico da contracultura (o lado "esculhambado" da
história). De um lado, a opção pela luta armada, de outro, o píer de
Ipanema, maconha e rock'n'roll.
Sganzerla é o líder dessa geração, comprando para si o conflito
direto com os papas do cinema
novo. Glauber percebe o desafio à
ordem do pai (ou a do irmão mais
velho) e estigmatiza o grupo como "udigrudi". Sintetizando o
momento histórico, e radicalizando as inovações estilísticas abertas
por "Terra em Transe" (66), "O
Bandido da Luz Vermelha" (68)
inaugura o sentimento do moderno no cinema brasileiro. Talvez
não seja exagero dizer que é o primeiro momento reflexivo de nosso cinema, em que mostra densidade suficiente para olhar para
trás e estilisticamente interagir
com o que já foi cinema. Funda a
sensibilidade que seria dominante no último quarto do século.
Sganzerla ainda radicaliza a estética de "O Bandido", dentro do
viés mais debochado/cômico de
"A Mulher de Todos" (1969).
Depois vem a Belair, sua antológica produtora, com Bressane.
Em um trimestre, no início de 70,
conseguem a façanha de realizar
seis longas, algumas pequenas
obras-primas, num esquema de
produção familiar. "Sem Essa
Aranha" merece destaque. A dimensão intertextual segue aflorando. No horizonte, a chanchada, gênero que o primeiro cinema
novo nunca conseguiu digerir.
Depois veio o exílio, com filmes
como "Carnaval na Lama", em
Nova York, e o longa de 77, "Abismu" (já de retorno), em que a estilística marginal surge cristalizada,
perdendo o frescor, mas não o interesse. E, depois, Orson Welles.
Sganzerla, como toda a geração
68, ressente-se dos novos tempos
mais comedidos e tenta tomar pé.
Welles fica no horizonte como
acerto de contas necessário. A estética marginal, o avacalho estão
atrás. Uma preocupação delicada
com a brasilidade faz-se presente
em seus filmes desse período.
"Noel por Noel", "Isto É Noel" e o
"Brasil" são o melhor exemplo.
Nos anos 80/90, Sganzerla faz
tríptico sobre Welles ("Linguagem de Orson Welles", curta,
"Nem Tudo É Verdade" e "Tudo
É Brasil"). As relações entre a carreira e a obra de Welles mantêm
vínculo evidente com a vida e a arte do diretor. O fim da trilogia, em
98, aparece como o fecho de um
ciclo. Estamos agora curiosos para saber como sua personalidade
forte se situará com relação aos
novos tempos, onde a época que
marcou o início de sua carreira está cada vez mais distante.
Fernão Pessoa Ramos é professor de
cinema na Unicamp, autor de "Cinema
Marginal (1968/1973): A Representação
em Seu Limite" (Brasiliense)
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