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CINEMA
Filme do diretor americano, que terá sequência em 2004, visita artes marciais, faroeste e animações japonesas
Violência vira piada nas mãos de Tarantino
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Em uma das várias cenas célebres de "Pulp Fiction" (1994),
o bandido encarnado por Samuel
L. Jackson cita uma passagem bíblica (Ezequiel, 25/17) para justificar uma vingança brutal.
A obsessão -uma das muitas
de Tarantino- pelo tema desdobra-se em "Kill Bill" numa narrativa que visita filmes de artes marciais, faroeste, "Matrix" e ainda
toma emprestada a linguagem
das animações japonesas.
Sem o cabelo tipo Cleópatra que
a celebrizou no supracitado "Pulp
Fiction", Uma Thurman é The
Bride (a Noiva), que acaba de sair
de um coma de quatro anos desde
que foi baleada na cabeça em seu
casamento. Na ocasião, a temível
turma de Bill assassinara brutalmente o noivo, padrinhos e convidados da cerimônia e acreditara
também ter dado um fim nela e na
criança que levava na barriga.
Mas o fato é que Thurman acorda e não está para brincadeira.
Quer exterminar um a um seus algozes, sem nenhuma preocupação em ser pega -até porque a
polícia nunca dá as caras- ou de
nos poupar de cenas grotescas de
membros e órgãos extirpados.
Seu visual, roupa e tênis amarelos
-fáceis de sujar- imita o de
Bruce Lee em "O Jogo da Morte".
Mas o mais sangrento dos filmes do diretor é também o mais
bem humorado e provocador.
Pode-se anular as críticas à sua excessiva violência ao observá-la de
perto. É puro escracho. Como nos
desenhos animados em que os socos vinham acompanhados de
onomatopéias ("pow", "soc").
Aqui, cabeças decepadas deixam
os troncos esguichando sangue
como no mais tosco filme B.
Numa das cenas centrais, Thurman enfrenta um bando de guardiões japoneses. A proporção é a
mesma daquela entre Neo contra
os agentes Smith em "Matrix Reloaded". Só que desta vez os guardiões são estraçalhados, pedaços
de corpos ficam jogados no chão
enquanto os restos que vivem se
arrastam sobre o rio de sangue.
Exageradamente explícito e sarcástico para levar a sério.
O principal alvo da Noiva nesse
episódio é O-Ren Ishii (Lucy Liu).
Matadora profissional, Ishii tem
sua história contada por meio de
uma engenhosa animação japonesa que tenta justificar o comportamento, digamos, raivoso da
moça ao mostrar que esta viu os
pais sendo mortos enquanto se
escondia debaixo da cama.
Curiosamente, Ishii não é a única menina a presenciar o assassinato dos pais. A própria Thurman
liquida uma mãe na frente da filha
em meio aos seus cereais coloridos e ainda oferece à garotinha,
docemente, a oportunidade de
vingar-se dela um dia. Tarantino
parece querer povoar o planeta de
mulheres vingativas e furiosas.
O cineasta diz que seus filmes
devem ser colocados na estante de
comédias. Se não dá para concordar inteiramente quando se trata
de produções como "Cães de Aluguel" (92) ou "Jackie Brown" (97),
aqui não há nenhuma dúvida. Tarantino -que já foi ele próprio
empregado de uma locadora-
agora acertou de prateleira, e "Kill
Bill" pode sim fazer companhia a
Woody Allen ou Cantinflas.
Kill Bill
Direção: Quentin Tarantino
Produção: EUA, 2003
Com: Uma Thurman, Lucy Liu, David
Carradine e Daryl Hannah
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