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CANNES 2004
"Diários de Motocicleta" termina com três prêmios paralelos
"Fahrenheit 9/11" leva a Palma de Ouro em Cannes
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Cannes optou pela política. Um
ano depois de fazer um discurso
explosivo ao ganhar o Oscar de
documentário por seu "Tiros em
Columbine", o agitador norte-americano Michael Moore recebeu ontem à noite do júri presidido por seu compatriota, Quentin
Tarantino, a Palma de Ouro do
Festival de Cannes pelo libelo anti-Bush "Fahrenheit 9/11". "Diários de Motocicleta", do brasileiro
Walter Salles, que chegou como
azarão, nada levou.
"O que vocês fizeram?", começou Moore, sorrindo e olhando
para o júri, para depois emendar:
"Um grande presidente republicano, não igual a este que temos
hoje, falou uma vez que, se você
disser a verdade ao povo, a República será salva. Foi Abraham Lincoln. Muitos querem a verdade na
América, e nós a teremos".
Moore já havia dito à imprensa
que esperava, com seu documentário, influenciar as eleições presidenciais norte-americanas de novembro, em que Bush tentará a
reeleição concorrendo com o senador democrata John Kerry.
Pois o mesmo tom dominou a
noite de ontem. Já no começo da
cerimônia, o curta-metragista que
levou o prêmio do júri, o belga Jonas Geirnaert, diria: "Eu não sei se
os americanos estão nos assistindo, mas, se estiverem, por favor,
não votem em Bush. Na seqüência, o ator Tim Roth, que presidia
o júri do prêmio Caméra d'Or
(para diretores estreantes), falaria: "Eu concordo com ele, nós
não devemos votar no Bush".
Entre os outros premiados, prevaleceu a preferência de Tarantino pelo cinema asiático, que venceu quatro categorias de sete categorias: Grande Prêmio (uma espécie de vice-palma) para "Old
Boy", do sul-coreano Chan-Wook Park; Prêmio do Júri para
"Tropical Malady", do tailandês
Apichatpong Weerasethakul;
atriz para a chinesa Maggie
Cheung, por "Clean"; e ator para
Yuya Yagira, de apenas 14 anos,
por "Nobody Knows", do japonês
Hirokazu Kore-Eda.
As surpresas ficaram por conta
de melhor direção, que foi para o
argelino Tony Gatlif pelo fraco
"Exils", e o outro prêmio do júri,
concedido para a veterana atriz
negra Irma P. Hall, por seu papel
na fraca refilmagem "Matadores
de Velhinha", dos irmãos Coen. E
o cinema francês não saiu de
mãos abanando: ao intricado e
bem-resolvido roteiro de "Olhe
para Mim", de Agnes Jaoui, foi
dado o prêmio da categoria.
Não é a primeira vez que um documentário recebe a Palma de
Ouro -em 1956, "O Mundo do
Silencio" (Le Monde du Silence),
de Louis Malle e Jacques Cousteau, sobre a vida submarina.
E o brasileiro?
E o que aconteceu com o filme
do brasileiro? "Diários de Motocicleta" foi o segundo filme mais
aplaudido do festival (13 minutos), atrás apenas do próprio
"Fahrenheit 9/11" (23 minutos).
Nas horas que antecederam a
premiação, Walter Salles recebeu
três prêmios que poderiam apontar uma tendência, o François
Chalais, concedido pelo Ministério da Cultura da França e pelo
Centro Nacional Francês de Cinematografia, o Prêmio Cidade de
Roma - Arco-Íris Latino, do Instituto Internacional para Cinema e
Audiovisuais de Países Latinos, e
o Prêmio do Júri Ecumênico.
O que aconteceu tem nome e
sobrenome: George W. Bush e
Quentin Tarantino. O primeiro
enfrenta crítica mundial pela
atuação do Exército norte-americano no Iraque pós-invasão.
Já o segundo nome é intimamente conectado ao cinema asiático -além de ter declaradamente tirado de filmes da região, especialmente Hong Kong e Japão, várias idéias para cenas de seus próprios longas, é Tarantino quem
apresenta os DVDs do chinês
Wong Kar-wai nos EUA.
O que se esperava é que, à frente
de um júri que avaliaria filmes do
mundo inteiro, Tarantino não
fosse Tarantino e olhasse com
mais cuidado cinematografias estranhas à sua formação, como a
brasileira de "Diários" ou a argentina de "La Nina Santa".
De alguma maneira, porém,
"Diários de Motocicleta" foi reconhecido: seu diretor de fotografia,
o francês Eric Gautier, levou o
Prêmio Técnico da noite, pelo trabalho realizado tanto no filme de
Salles quanto em "Clean", também em competição.
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