|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DVD/LANÇAMENTO
Caixa revela três momentos capitais do mestre Hitchcock
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Pensionista " (1927),
"O Ringue" (1927) e
"Chantagem e Confissão" (1929)
são, por motivos diversos, os três
momentos capitais de Hitchcock
nos anos 20.
"O Pensionista" é o filme que
marca a criação do método hitchcockiano do suspense. A história:
uma série de assassinatos ocorre
em Londres. Um pensionista hospeda-se em uma residência e a
mocinha da casa aproxima-se dele. Será ele o estrangulador? E, se
embarcamos nessa hipótese, o
que acontecerá à garota?
Alfred Hitchcock (1899-1980)
faz aqui o que faria depois em sua
carreira: nunca deixa o sentido se
acomodar inteiramente. Sugere,
deixa que o espectador desenvolva sua própria hipótese, mas nunca lhe permite sossegar em suas
certezas. Ao mesmo tempo, este é
o filme em que aplica as técnicas
aprendidas nos estúdios de Babelsberg, Alemanha, onde tinha
visto Murnau filmar (exemplo: a
superexposição no momento em
que vemos o pensionista andando
no andar superior e, ao mesmo
tempo, o lustre do andar inferior
balançando).
"O Ringue" é um caso de filme
de não-suspense cheio de suspense. A saber: numa feira, existe um
lutador chamado "Jack Um
Round", já que demolia seus adversários sempre no primeiro assalto. Isso até que encontra um
adversário durão.
Os dois homens disputarão o
amor da garota da bilheteria ao
longo do filme. Hitchcock desenvolverá o filme em torno das personalidades envolvidas na trama,
investindo na ambigüidade da
palavra "ring", que tanto se refere
ao ringue de boxe propriamente
dito quanto ao bracelete que a
moça carrega em seu braço (símbolo de sua ligação preferencial
com um deles).
Sobretudo neste filme, Hitchcock mostra um exorbitante domínio da narrativa. Domínio não
é uma palavra boa para definir
uma arte em que, naquele momento, tudo ainda era invenção.
Mas a segurança de Hitchcock já é
a de um mestre, em todo caso.
Mudo e sonoro
Para ter uma medida de sua
maestria e de seu gênio, tomemos
o caso, espantoso, de "Chantagem
e Confissão". O filme, de 1929, estava previsto para ser mudo.
Hitchcock intuiu que a Inglaterra
entraria breve no sonoro e preparou uma versão alternativa.
Quando seu produtor decidiu
optar pelo som, tudo já estava no
ponto. Hitchcock não suportava o
improviso. Ainda assim, um dado
escapou: a atriz principal não era
inglesa e ainda não havia dublagem. De maneira que foi preciso
dublá-la por uma britânica no
momento mesmo da filmagem.
Em "Chantagem e Confissão" o
primeiro rolo de dez minutos é
mudo e todo o restante, sonoro. É
difícil imaginar as partes dialogadas sem som, como se Hitchcock
já sonhasse há muito com o som e
como se, sobretudo, ele lhe fizesse
falta (diferentemente de um Fritz
Lang, por exemplo).
Esses três filmes notáveis receberam cópias de qualidade variável. Alguns momentos de "O Pensionista" são francamente deficientes (mas há certo encanto
nessa deficiência: parece que estamos num cineclube assistindo a
uma cópia antiga); "O Ringue" está, em linhas gerais, OK; "Chantagem e Confissão" chega numa cópia admirável.
Os extras são modestos. Mas,
com três filmes assim, pode-se
muito bem viver sem eles.
Coleção Alfred Hitchcock (Anos
20)
Direção: Alfred Hitchcock
Lançamento: Multimedia
Quanto: R$ 90, em média
Texto Anterior: Para a telinha, pornografia será "sem história" Próximo Texto: Cinema: História de Cole Porter vira dramalhão Índice
|