|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Ex-beatle sai em turnê, toca pela primeira vez "Helter Skelter" e diz que não pode incluir canções novas nos shows
McCartney, 62, retorna "escravo de hits"
BRUNO LESPRIT
DO "LE MONDE", EM OSLO
Em meio a uma turnê européia,
entre a passagem de som e seu
primeiro show em Oslo, sir James
Paul McCartney, 62, concedeu esta entrevista. O músico continua
fiel à imagem perene: uma mistura de descontração, desenvoltura
e extremo profissionalismo.
Logo de início, McCartney evoca o nome de Ray Charles, morto
em 10 de junho, que suscita suas
recordações. No começo de carreira, os Beatles gravaram "I Got a
Woman" e "What I'd Say":
"Em Liverpool, a única estação
de rádio que pegávamos costumava tocar coisas muito ruins.
Mas em uma noite o DJ decidiu
tocar "What I'd Say". Uau! Aquele
riff no piano elétrico! O trecho terminava e o DJ dizia, "Esperem,
continua do outro lado". Eu achava genial que aquele cara usasse
dois lados de um disco para gravar a mesma música. "What I'd
Say" abalou minha vida antes
mesmo que o DJ me revelasse o
autor. Nós amávamos Ray".
Pergunta - O sr. pretende homenagear Ray Charles na turnê?
Paul McCartney - Eu fiz isso no final dos anos 80, cantando "Don't
Let the Sun Catch You Cryin'", ao
piano. Mas não fiquei muito satisfeito. Como adoro a versão seca e
direta que Ray gravou de "Eleanor Rigby", preferi dedicá-la a ele
no dia seguinte à sua morte.
Pergunta - Pessoas nostálgicas
pelos Beatles lotam os seus shows.
Há algumas canções, como "Yesterday", "Let it Be" ou "Hey Jude",
que o sr. precisa imperativamente
tocar, para satisfazê-las?
McCartney - Sim. Se eu fosse um
espectador, também me sentiria
assim. O que é interessante é que
as pessoas que pedem esses títulos
não são parte da minha geração,
obrigatoriamente. Crianças pequenas, de oito e 10 anos, cantam
"Hey Jude". É uma relação diferente, como a que eu teria com
Fred Astaire ou Nat King Cole.
Pergunta - Há, por outro lado,
canções de seu catálogo que o sr.
não pode tocar hoje porque acredita que seriam fracas ou estariam
muito fora de moda?
McCartney - Quando escolho
uma canção, me certifico de que a
letra ainda faça sentido. Veja os
últimos versos de "Drive My Car":
"I've got no car/But I found a driver" [Não tenho carro/ mas tenho
motorista]. É aquele senso de ironia que existia em nossas melhores canções. O que dita a escolha
do repertório atual, acima de tudo, é que tocamos principalmente
em estádios. Temos de nos adaptar a essa situação procurando
um denominador comum: os sucessos que as pessoas conhecem.
Não posso mais incluir muitas
canções novas. Em um clube pequeno, eu tocaria coisas que vocês
nunca ouviram, como a canção
que acabei de compor, "That
Seems to Make no Sense".
Pergunta - Pela primeira vez o sr.
está tocando "Helter Skelter", a
canção mais violenta do repertório
dos Beatles, em um show. Muita
gente ignora que seja o sr. o autor.
É uma maneira de abandonar a
imagem do Paul adocicado?
McCartney - Não, mesmo que eu
consiga compreender a interpretação. O importante é que a canção funciona bem nos estádios.
Muita gente pedia, mas sempre
hesitei. A música terminou associada ao caso Charles Manson, o
responsável pelo massacre da
atriz Sharon Tate e seus amigos,
em Los Angeles, em 1969, supostamente inspirado por "Helter
Skelter" e trechos do "álbum
branco". Mas a canção tratou
sempre de um grande barulho,
como o que se ouve quando o
Concorde decola, para evocar
simbolicamente queda e elevação.
Pergunta - As versões que o sr. interpreta tomam muitas liberdades
com os originais... É difícil transformá-las, como autor?
McCartney - Mas sempre vejo as
coisas do ponto de vista do público. Digamos que eu vá a um show
de Bob Dylan, um sujeito que costuma fazer esse tipo de mudança.
Minha vontade é ouvir "Mr. Tambourine Man". Se a versão é muito diferente, se os erros vocais de
Dylan são caricaturados, eu vou
achar interessante, mas não vou
gostar muito. "Você prefere que
ele as cante como em 1965?" Não,
porque jamais seguimos religiosamente as versões originais. Mas,
como espectador dos Rolling Stones, eu preferiria reconhecer o riff
de "Satisfaction". Poderíamos,
por exemplo, tocar todas as minhas canções usando uma base de
um acorde só ré maior, por exemplo. Eis uma idéia revolucionária!
A turnê vai se chamar D Tour!
(Jogo de palavras entre "turnê em
ré", "a turnê" e "desvio".) Isso seria muito fácil. As pessoas querem
reconhecer as canções.
Pergunta - O sr. acaba de participar da canção "A Friend Like You"
no novo disco de Brian Wilson. É a
primeira vez que trabalham juntos
desde "Vegetables", de 1967,
quando o senhor tocou percussão
com legumes.
McCartney - É, desta vez ele me
deixou cantar!
Pergunta - Os Beach Boys foram
os principais rivais dos Beatles, em
vez dos Rolling Stones?
McCartney - Rival não é bem o
termo. A palavra sugere que nos
detestávamos reciprocamente.
Mas eles eram de fato a principal
concorrência. Os Stones eram sérios adversários, mas para mim,
em termos de composição, os
mais perigosos eram os Beach
Boys. Mas era uma competição
amistosa, nos inspirávamos mutuamente. Nós gravamos "Rubber Soul" e Brian, "Pet Sounds";
nós gravamos "Sargent Peppers"
e ele abandonou o jogo.
Pergunta - Que artistas de rock,
aos seus olhos, foram grandes inovadores, depois que os Beatles se
separaram?
McCartney - Led Zeppelin é um
grande grupo. Hum, quem mais?
Pergunta - O sr. se interessou pelo movimento punk?
McCartney - Em termos gerais
apenas, não acompanhei bem. Os
Sex Pistols eram muito bons, mas
infelizmente muito suicidas.
"Pretty Vacant" é uma excelente
canção. E havia também o Clash.
Pergunta - O sr. acredita que no
fundo tudo de essencial tenha sido
composto nos anos 60?
McCartney - Há muitos grupos
bons hoje em dia, como Radiohead e Coldplay, mas se houve
uma década que concentrou o
que havia de melhor, foi aquela:
Hendrix, Dylan, Beatles, Stones,
Beach Boys. Foram anos radiantes. Depois, as coisas ficaram sérias, a música virou indústria.
Pergunta - Imaginava cantar
"When I'm 64" aos 62 anos?
Resposta - Em última análise, a
canção era bem mais lúcida do
que "My Generation", do Who.
Eu me diverti ao compô-la. A melodia me ocorreu quando eu tinha
16 anos, ao piano, em nossa casa
em Liverpool. Escrevi a letra mais
tarde, na metade dos anos 60.
Uma das ironias era prever os nomes dos meus netos, Vera, Chuck
e Dave.
Mas a canção também continha
angústia; "Você vai continuar me
amando, quando eu envelhecer?"
Agora, a dois anos da ocasião, a
coisa me parece bizarra. A canção
foi só uma brincadeira; eu não me
imaginava de forma alguma como alguém de 64 anos. Preciso
começar a preparar a turnê
"When I'm 64" e, logo antes da D
Tour, a minha turnê punk.
Texto Anterior: Artigo: Isso que está acontecendo me deixa muito humilhado Próximo Texto: Ingleses do Who lideram o hall da vergonha do rock Índice
|