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análise
Autor polemizou com tropicalistas e concretistas
FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA
O conjunto da obra de
Roberto Schwarz
constitui um dos
maiores avanços da crítica
cultural materialista do século 20. Isso resume a opinião de pensadores do porte
de Fredric Jameson, Perry
Anderson, T. J. Clark ou Susan Sontag, de Antonio Candido, Paulo Arantes, Fernando Novais ou Chico de Oliveira. Outros, de igual quilate, lá e cá, discordam solenemente. Mas ninguém que
tente pensar a cultura e a vida social contemporânea pode ficar indiferente à obra
deste crítico.
A mais ampla exegese crítica da oba de Schwarz está
no livro "Um Crítico na Periferia do Capitalismo" (Companhia das Letras). Nesta
obra, cerca de 30 autores,
uns mais entusiastas, outros
menos, corroboram o que foi
dito acima. Já as idéias francamente hostis ao legado do
crítico estão dispersas entre
os trabalhos de direitistas,
neoconservadores, marxistas vulgares, concretistas de
carteirinha, pós-modernistas e neotropicalistas, por
exemplo.
Roberto Schwarz nasceu
na Áustria, veio criança ao
Brasil. Perdeu o pai aos 15
anos e desde então o crítico
Anatol Rosenfeld passou a
acompanhar seus estudos. Já
na USP, conheceu Antonio
Candido e participou do famoso "Seminário do Capital", iniciativa multidisciplinar de um grupo de jovens
professores e de alguns de
seus alunos, cuja interpretação desabusada do marxismo deu a chave para que ele
enfrentasse livremente as dificuldades que a experiência
brasileira opunha aos esquemas marxistas.
Dessa experiência, retirou
a idéia de que era preciso
sempre refletir através dos
desajustes do desenvolvimento do capitalismo que,
mal ou bem ajustados, formam a experiência própria
das nações periféricas e da
diferença brasileira. Foi esse
princípio dialético que o levou às análises originais dos
romances de Machado de
Assis e ao tão polêmico e freqüentemente mal compreendido ensaio "As Idéias
Fora do Lugar". O conceito
de formação de Antonio
Candido, as técnicas de leitura do "new criticism" depuradas pela crítica materialista da cultura tomada de Marx, revisto através da experiência brasileira, de Lukács e da Escola de Frankfurt, mais a atenta leitura do
modernismo e de uma boa
dose de boêmia e bom humor: este é, se não me engano, o resumo do esquema de
Roberto Schwarz.
Debate contemporâneo
Mas o autor também vem
participando do debate contemporâneo introduzindo
outros pensadores, como o
crítico social Robert Kurz, o
crítico literário Dolph Oehler ou a narrativa explosiva
de "Cidade de Deus", de Paulo Lins. Ou então polemizando, ora com o tropicalismo,
ora com os concretistas e,
atualmente, com as concepções pós-estruturalistas (como se pode ver nas inversões
de sentidos que fez através
da comparação entre a Capitu, de Machado, e a menina
escritora do livro de Helena
Morley, "Minha Vida de Menina", publicada em seu livro
"Duas Meninas"). Nesse
meio tempo, escreveu poemas, uma brechtiana peça
teatral ("A Lata de Lixo da
História", 1977), textos de intervenção, traduziu Brecht,
Schiller, Marx, Adorno.
A obra de Roberto
Schwarz está de tal modo entranhada na cultura contemporânea que saudá-la já não é
necessário. A questão hoje é
decidir se continuamos ou
não a forma de análise crítica
marxista que ele criou para
interpretar as conexões e
desconexões do capitalismo
e de sua cultura. Uma forma
cujo acerto crítico advém de
cerrada análise estética que
entra fundo na composição
do texto ou no universo das
idéias e revela a hora histórica, os sentidos contraditórios do tempo. Essa decisão
significa definir quem somos
e para onde vamos.
FRANCISCO ALAMBERT é professor do departamento de história da USP
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