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Crítica/cinema/"A Última Amante"
Catherine Breillat subverte convenções do filme de época
Diretora francesa aborda a afirmação da sexualidade em um ambiente opressor
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Um filme de época era a
última coisa a se esperar de Catherine Breillat, cineasta francesa obsessivamente dedicada à questão do
desejo feminino. Seu cinema,
famoso pelas cenas de sexo filmadas sem pudor -"Romance" e "Anatomia do Inferno",
que traziam o astro pornô Rocco Sifredi, foram particularmente escandalosos-, sempre
foi fundamentalmente contemporâneo, e talvez seja justamente por isso que "A Última
Amante", uma adaptação do romance "Une Vieille Maitresse",
de Jules-Amédée Barbey d'Auverilly, tenha lá seu frescor.
Crônica de uma época da nobreza francesa, a trama traz
fortes ecos de "Ligações Perigosas", apesar de se situar em
1835, cerca de 70 anos depois
da célebre intriga de Chordelos
de Laclos. Na verdade, Breillat
não abandonou suas questões
prediletas, e o resultado é que
"A Última Amante" cresce a
partir da tensão entre as convenções do "filme de época" e a
estética particular da cineasta,
que nega, em cada fotograma, o
tradicionalismo do gênero.
Os personagens de Breillat
não são figurinos recheados de
corpos, como é comum acontecer nesse tipo de filme, mas
corpos (desajeitadamente) vestidos com roupas de época.
A dimensão de crônica é subvalorizada em favor de um estudo mais franco da possibilidade de uma afirmação da identidade sexual em meio a
um ambiente opressor.
A figura central de "A Última
Amante" é uma "outsider" da
corte, a senhora Vellini (Asia
Argento), espanhola de jeito
extravagante, filha de um toureiro, que vive uma longa relação com o filho da nobreza
Ryno de Marigni (Fu'ad Ai Aattou). Os laços entre os dois serão postos em xeque quando a
família dele decide casá-lo com
a jovem Hermangarde (Roxane
Mesquida). Uma situação clássica, que ganhará tratamento
não-clássico.
Crueza calculada
A encenação de Breillat continua guardando um grau de
crueza calculado para evitar
qualquer possibilidade de glamour. Sua câmera é direta e os
cenários e figurinos não sufocam outros aspectos do filme. É
verdade que nas cenas dominadas pelas palavras Breillat não
demonstra a mesma desenvoltura das seqüências em que o
corpo é a figura central, e por isso seu filme cresce bastante
quando abandona a corte, fofocas e intrigas para se concentrar na realização do amor de
Vellini e Ryno depois que eles
fogem para a Argélia -com toques trágicos.
Para que o projeto de Breillat
se realize, a presença de Asia
Argento em "A Última Amante" é fundamental. A atriz cristaliza a representação da sexualidade feminina como elemento transgressor, numa interpretação transbordante e
decididamente infernal, que
confirma Argento como ícone
do cinema de ambições transgressoras.
A ÚLTIMA AMANTE
Produção: França/Itália, 2007
Direção: Catherine Breillat
Com: Asia Argento, Fu'ad Ait Aattou, Roxane Mesquida
Quando: em cartaz no Bristol, Cine
UOL e Reserva Cultural; 16 anos
Avaliação: bom
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