São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002 |
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+ autores O historiador inglês Roy Porter
Peter Burke
história até a Londres de Thatcher e mesmo além. Entretanto o passo mais significativo de Roy foi no campo relativamente novo e crescente da história da medicina. Em 1979 ele se mudou do Churchill College, no qual lecionava na graduação, para um cargo de palestrante (e mais tarde de professor) no Instituto Wellcome para a História da Medicina, em Londres, um instituto de pesquisa financiado pelos lucros obtidos com produtos farmacêuticos. A escolha foi uma ação audaciosa para ambas as partes. O instituto arriscou-se a escolher um historiador social sem experiência prévia no campo da história da medicina nem de treinamento em medicina, e Roy se arriscou a mudar de campo de pesquisa. A aposta foi cumprida, e Roy se tornou um dos mais inovadores e mais celebrados historiadores da medicina de sua época. Nova abordagem Nesse novo campo, um dos centros de interesse de Roy foi a loucura e a tentativa de curá-la. Sua "História Social da Loucura" (Jorge Zahar Editor) apareceu em 1987, seguida pelo "Faber Book of Madness" (Livro Faber da Loucura, de 1991, ed. Faber & Faber), uma antologia de textos em que doentes descreveram a experiência da loucura em suas próprias palavras. Essa antologia naturalmente interessou o público em geral mas também ilustrou uma nova abordagem da história, a história vista de baixo, que Roy defendeu em um importante artigo sobre a necessidade de a história da medicina expandir-se além da história dos médicos para incluir o ponto de vista do paciente. Quando escrevia sobre os médicos, Roy preferia dar atenção aos praticantes mais ou menos desqualificados e não-oficiais, à margem da profissão (1), em vez de escrever sobre seus mais respeitáveis colegas e inimigos. Ao escrever sobre esses praticantes de medicina não-oficiais, enfatizava a linguagem que eles utilizavam para promover a si mesmos e a seus produtos em anúncios em jornais e outros lugares, assim incorporando a história da medicina à chamada ascensão da sociedade de consumo, no Reino Unido do século 18, como havia sido estudada por seu antigo mestre Plumb e por seu colega John Brewer. Ele acreditava que os historiadores fossem um grupo logocêntrico que precisava ser persuadido a assumir a evidência das imagens tão seriamente quanto o testemunho dos textos, e um de seus livros mais recentes estuda a relação médico-paciente na Inglaterra do século 18 por meio de figuras, notadamente as caricaturas de Thomas Rowlandson. Roy também ampliou a história da medicina de outros modos. Ele a via em termos amplos, como a história da doença e da saúde, ela mesma uma parte no campo ainda mais novo da história do corpo. Escreveu sobre a história do corpo em geral e a história do sexo em particular. Não foi uma surpresa o fato de que Roy tenha sido um dos primeiros historiadores britânicos a estudar seriamente as idéias de Michel Foucault, o qual ele não temia criticar em algumas ocasiões ou seguir em outras, em uma época em que muitos colegas simplesmente se sentiam desconfortáveis com as idéias novas e estranhas e tinham esperança de que elas fossem embora. Após 20 anos no Instituto Wellcome, ele produziu um grande e ambicioso livro sobre a história da medicina. Para aqueles que não o conheceram, qualquer acadêmico que tenha produzido tantas páginas impressas quanto Roy produziu deve dar a impressão de um trabalhador solitário ou mesmo de um "workaholic". Nada poderia estar mais distante da verdade. Ele pode ter sido solitário nas primeiras horas da manhã, mas na maior parte do dia ele era extrovertido e sociável. Possuía um gênio para a colaboração, para editar volumes sobre uma variedade de tópicos com uma multiplicidade de co-editores, um jeito para perceber que tópico precisava ser aberto e quem deveria ser convidado a participar das empreitadas coletivas. Jardinagem e saxofone Eu editei três volumes em parceria com Roy e também contribuí em alguns que ele editou com outras pessoas. Nunca deixei de me surpreender com a velocidade com que ele respondia a questões (rabiscando comentários vívidos e pertinentes na margem da carta original, para poupar tempo) ou com a maneira, simultaneamente generosa e penetrante, com que ele criticava as contribuições à medida que elas chegavam. Em todo caso, ele não gastava todo o seu tempo em bibliotecas ou diante de audiências em palestras ou de seu computador. Casado e divorciado quatro vezes, antes de encontrar Natsu (descrita na dedicatória de seu último livro como "o amor de minha vida") os interesses de Roy incluíam jardinagem e tocar saxofone. Aposentou-se prematuramente no ano passado, quando o Instituto Wellcome perdeu sua independência e foi engolido pela University College, de Londres, e se mudou para uma cidade litorânea em Sussex para devotar-se a seus hobbies. Mas isso não havia significado que ele tivesse desistido de escrever ou, como ele diria, rabiscar. Também não significou que ele iria passar a recusar convites para palestrar. Ao contrário, em sua última carta para mim, apenas alguns dias antes de sua morte, ele escreveu com prazer que havia acabado de ser convidado para ir ao Rio de Janeiro em 2003. Ele teria, com certeza, adorado o Brasil. Nota do tradutor 1.Os chamados "quacks", que reuniam desde curandeiros até charlatães. Peter Burke é historiador inglês, autor de "História e Teoria Social" (ed. Unesp) e "O Renascimento Italiano" (Nova Alexandria), entre outros. Ele escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!. Tradução de Victor Aiello Tsu. 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