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No sexto e último volume dos "Cadernos do Cárcere", Gramsci revê a história
cultural da Itália e abre novas perspectivas para o pensamento contemporâneo
A obra em processo e os limites da tradição
Cadernos do Cárcere - Literatura, Folclore,
Gramática
496 págs., R$ 45,00
de Antonio Gramsci. Trad. de Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio
Henriques. Ed. Civilização Brasileira (r. Argentina,
171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/ xx/21/ 2585-2000).
José Luís Jobim
especial para a Folha
Carlos Nelson Coutinho, professor titular de teoria política da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, tem sido um dos grandes responsáveis pela divulgação da obra
de Antonio Gramsci (1891-1937) no Brasil, desde a sua primeira tradução, ainda
na década de 60. Naquela época, publicar
o pensador italiano era, além de um ato
de resistência à ditadura militar, um ato
de coragem, que deve ser devidamente
creditado também ao editor Ênio Silveira, morto em 1996.
Hoje a Civilização Brasileira, já sem seu
emblemático editor de então, tem trazido à luz em seis volumes os "Cadernos
do Cárcere". Mudaram os tempos, mas
não mudou o empenho gramsciano de
Coutinho. Seus companheiros no projeto atual não são os dos anos 60 nem a edição em que se baseou é apenas a de Palmiro Togliatti, publicada na Itália, entre
1948 e 1951. Coutinho leva em conta a
mais recente, organizada por Valentino
Gerratana, que procurou ser o mais fiel
possível à forma como os textos de
Gramsci foram apresentados, nos 33 cadernos escritos durante seus anos de prisioneiro político.
O sexto e último volume -"Literatura,
Folclore, Gramática"- talvez seja o que
mais torna evidente a erudição literária e
linguística de Gramsci e, simultaneamente, revela a sua insatisfação com os
próprios fundamentos desta erudição.
Nativo e estrangeiro
Como ativista político, antenado nas questões de seu
tempo, ele foi capaz de unir a tradição
anterior à percepção marxista de que
aquela tradição não dava conta de muitos aspectos da cultura contemporânea
ou mesmo do passado. Uma de suas
maiores contribuições teóricas foi exatamente a de demonstrar a inadequação
ou insuficiência de modos de conhecimento herdados, quer para lidar com fenômenos recentes, quer para resgatar o
passado.
No que diz respeito à literatura e ao folclore, por exemplo, um aspecto interessante da abordagem de Gramsci é o diálogo com uma certa noção romântica do
nacional-popular como identidade herdada. Ao comentar uma divisão dos cantos populares, formulada por Ermolao
Rubieri, Gramsci desconsidera a definição de "cantos compostos pelo povo e
para o povo", derivada daquela noção do
romantismo, e aceita a de "cantos não escritos nem pelo povo nem para o povo,
mas por este adotados, já que adequados
à sua maneira de sentir e de pensar".
Nessa mesma linha, Gramsci critica as
propostas de imposição de autores italianos ao público de sua época, argumentando que, se o público prefere os autores estrangeiros, é porque "o elemento
intelectual nativo é mais estrangeiro
diante do povo-nação do que os próprios
estrangeiros".
Já em relação à crítica literária, ele adota o tipo praticado por Francesco de
Sanctis (1817-1883), em que se funde a luta por uma nova cultura com crítica dos
costumes, dos sentimentos e das concepções de mundo com a crítica estética.
Sempre com um fervor apaixonado.
Resposta positiva
Abordando uma
das questões que suscitaram mais respostas passionais entre os críticos de então ("pode-se falar de uma prioridade do
conteúdo sobre a forma?"), Gramsci deu
uma resposta positiva, no sentido de que
a obra de arte é um processo e as modificações de conteúdo são também modificações de forma, já que o conteúdo pode
ser "resumido" logicamente: "Quando
se diz que o conteúdo precede a forma,
quer-se simplesmente dizer que, na elaboração, as sucessivas tentativas são
apresentadas com o nome de conteúdo e
nada mais. O primeiro conteúdo que não
satisfazia era também forma e, na realidade, quando se atinge a "forma" satisfatória, também o conteúdo se modifica".
Para guiar o leitor, que pode sentir-se
perdido em meio a um emaranhado de
referências a obras e autores do mundo
intelectual italiano ou internacional, esta
nova edição apresenta, além de notas explicativas ao texto, um índice onomástico e outro com os principais conceitos.
Trata-se, em suma, de uma edição que
buscou ser cuidadosa e acessível, virtudes nem sempre encontradas nos empreendimentos do gênero.
José Luís Jobim é professor titular de teoria da literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal Fluminense. É autor
de "Formas da Teoria" (ed. Caetés) e "A Biblioteca
de Machado de Assis" (ed. Topbooks/ABL).
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