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A lei seca e a secura do Estado
Rigor excessivo contra motoristas que ingerem álcool oculta um Estado fraco
e põe em risco o próprio respeito à norma
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA
É dever moral evitar
acidentes causados
pelo exagero no consumo de bebida alcoólica. É dever do Estado
coibir o desatino de pessoas alcoolizadas dirigirem seus veículos; cabe-lhe puni-las segundo o rigor da lei. Como, porém,
se determina esse rigor para
torná-lo efetivo?
Bebidas alcoólicas tradicionalmente fazem parte de nosso
cardápio. No Mediterrâneo, o
vinho, o trigo e a azeitona compuseram a base da alimentação
que permitiu o desenvolvimento do Ocidente.
Na França costuma-se dizer
que uma refeição sem vinho é
como um dia sem sol. E os cardiologistas aconselham que se
tome um copo de vinho tinto
diariamente para evitar doenças coronárias.
O problema, portanto, não é
o álcool, mas o exagero e o vício. Aliás, como a comida e o sexo. O caso do álcool é mais pungente, pois seu consumo desmesurado, além de causar danos a quem bebe, freqüentemente e cada vez mais atinge
pessoas inocentes, que nada
têm a ver com os exageros e os
vícios alheios. Isso porque nos
tornamos cada vez mais dependentes do automóvel como
meio de transporte.
Situação esdrúxula
E o caso das grandes metrópoles, em particular o de São
Paulo, mostra como medidas
urgentes devem ser tomadas.
De um lado, diminuindo o peso
do transporte individual; de outro, coibindo o exagero do consumo do álcool.
Ora, toda a questão reside na
medida desse exagero.
Segundo a Folha de domingo
passado, os EUA e o Reino Unido admitem oito decigramas de
álcool por litro de sangue, a
França, cinco, e o Brasil, dois,
junto com Noruega e Suécia.
Essa medida equivale a proibir que a pessoa dirija depois
de beber um copo de cerveja ou
de vinho.
Punição à maioria
Chegamos a uma situação esdrúxula: em vez de o Estado determinar a medida da segurança, simplesmente se isenta dessa medida e pune aquele que
bebe moderadamente, ciente
de seus limites e de suas obrigações sociais.
Em resumo, pune a maioria
para evitar que desregrados
causem malefícios.
Na Noruega e na Suécia, a tolerância zero tem lá suas razões
de ser.
No Brasil, esse exagero simplesmente repete o espetáculo
de violência de um Estado fraco, que encena uma força desproporcional a seus recursos
simplesmente para atemorizar.
Isso equivale a legislar para que
a lei não pegue, obviamente depois de saciar a boa consciência
dos bem pensantes.
Como de costume, os brasileiros enfrentam um problema
desfraldando a bandeira do rigor da lei para deixar tudo como está, menos o respeito pela
lei, o qual se degrada a cada dia.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito
da USP e coordenador da área de filosofia do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais! .
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