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Trauma social
Para psiquiatra francês, desligamento da realidade pode ser entrave maior à recuperação psicológica
da ex-refém
LAURA MARZOUK
Louis Jehel é psiquiatra
e dirige o Centro de
Psicotraumatologia do
hospital Tenon, em Paris. Também é presidente da Sociedade Francesa
de Psicotraumatologia.
Na entrevista abaixo, ele fala
do lento processo de recuperação psicológica por que deverá
passar Ingrid Betancourt.
PERGUNTA - Quais são as fases pelas quais Ingrid Betancourt vai passar após sua libertação?
LOUIS JEHEL - Para começo de
conversa, é preciso falar com
muita cautela, pois nem todo
mundo reage da mesma maneira. A primeira fase, a da libertação, é uma fase de remobilização pessoal psicológica e física.
Ela se traduz por uma excitação grande, completamente legítima, que pode dar uma imagem um pouco eufórica, ao mesmo tempo em que é tranqüilizadora e positiva.
Mas essa fase é muito onerosa no plano pessoal. Recomendamos às pessoas que vivem esse momento que se protejam e se contenham.
Após essa fase de intensidade
emocional, há o período do esgotamento, que ocorre com freqüência nos dias seguintes. Isso
porque o esforço emocional
impõe um ônus físico muito
grande, aliado ao estresse intenso vivido nas últimas horas.
PERGUNTA - Como ela conseguiu
suportar todo esse tempo?
JEHEL - Em primeiro lugar, é
uma pessoa de resistência excepcional. O que exerceu um
papel muito importante para
ela foi o apoio e os recursos sociais externos que tinha e com
os quais sabia que contava.
Esse fator continuará a ser
um grande estímulo para Ingrid: ela está no centro de uma
rede que a valoriza extremamente, e isso será de grande
ajuda para reduzir a intensidade do trauma sofrido.
PERGUNTA - Ingrid Betancourt está
reencontrando seus filhos e seu marido, que não viu durante seis anos...
JEHEL - Com freqüência uma
ex-refém sente um desnível entre aquilo que ela própria sente
e o que os outros imaginam que
ela vive. A impressão de ser sobrevivente de algo extremamente perigoso pode se traduzir em dificuldades em encontrar um lugar na comunidade
dos vivos, fora daquela situação
de ameaça.
Num primeiro momento, a
família pode estar muito presente e ser muito compreensiva, mas existe o risco de que as
pessoas que a cercam tenham
dificuldade em conservar esse
lugar depois de alguns meses.
Há também o risco da decepção que pode surgir da incompreensão das pessoas que não
viveram a ameaça da morte.
PERGUNTA - Quais são os sintomas
pós-traumáticos que Ingrid Betancourt pode apresentar?
JEHEL - Existem dois tipos de
sintomas. Primeiramente, o
sintoma da repetição, que se
manifesta na impressão de que
a ameaça continua. Isso é
acompanhado de um estado de
hipervigilância, algo que pode
ter sido muito útil no cativeiro.
Mas existe o risco de esse estado de atenção constante persistir durante muitos meses e
constitui, inclusive, um obstáculo à retomada da vida normal. Isso pode se manifestar
por graves problemas do sono e
de concentração.
A outra categoria são os sintomas de dissociação, ou seja,
estar um pouco desconectado
da realidade do dia-a-dia.
É uma maneira de adaptar-se
a uma situação de ameaça elevada, mas, quando a situação se
prolonga além do acontecimento traumático, se torna
prejudicial à saúde. Esses sintomas se manifestam pela dificuldade de se reorganizar, de se
readaptar e de concentrar-se
em sua nova realidade.
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain .
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