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O desgosto teórico de Greenberg
"Estética Doméstica" reúne ensaios produzidos nos anos 70 pelo defensor do expressionismo abstrato
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Estética Doméstica
288 págs., R$ 32,00
de Clement Greenberg. Trad. de André Carone.
Ed. Cosac & Naify (r. General Jardim, 770, 2º andar,
CEP 01223-010, SP, tel. 0/ xx/11/ 3218-1444).
Juliana Monachesi
free-lance para a Folha
Donald Judd e o minimalismo
em geral, assim como James
Rosenquist e toda a arte pop representam o universo da produção em artes visuais de que o crítico
norte-americano Clement Greenberg
(1909-94) jamais conseguiu dar conta. O
teórico por trás do movimento expressionista abstrato nos Estados Unidos,
Greenberg reescreveu a história da arte
segundo o conceito de planaridade
-demonstrando que cada passo da
vanguarda visava a afirmar o aspecto antiilusionista da pintura e, assim procedendo, possibilitar que a arte pudesse ser
puramente auto-reflexiva, portanto autônoma (cujo ápice teria se dado no expressionismo abstrato de um Jackson
Pollock). E demonstra em seus textos
tardios, reunidos em "Estética Doméstica", o desgosto com a ruína do projeto
estético moderno.
Dividido em nove ensaios publicados
entre 1973 e 1979 em revistas especializadas (parte 1) e nove seminários proferidos no Bennington College (EUA) em
abril de 1971 (parte 2), o livro compreende considerações gerais sobre experiência e juízo estéticos, fundamentadas, em
geral, no pensamento de Kant, e ácidos
comentários sobre a "autoproclamada
arte avançada", como a "subtradição"
criada por Duchamp, em tempos em que
"a operação do gosto é considerada excessivamente trivial para ser admitida".
Ora, "sem a aplicação do gosto, não há
diálogo acerca da arte enquanto arte" e
"ali onde não há juízo de valor estético
nem veredicto de gosto, também não há
arte, tampouco qualquer tipo de experiência estética", afirma. Greenberg parte da idéia de que os veredictos de gosto
não podem ser comprovados nem demonstrados como afirmações factuais,
lógicas e científicas. O único critério possível de decisão entre um verso de T.S. Eliot e um de William Watson ou uma
pintura de Ingres e uma de Delacroix seria o da impessoalidade.
Muitos dos parâmetros adotados por
Greenberg para qualificar a experiência
estética aplicam-se também à criação.
No terceiro ensaio, Greenberg avança na
tese da objetividade do gosto. Já se tentou sem sucesso descobrir constantes na
avaliação estética, com base em métodos
experimentais, para chegar a uma predição ou descrição das operações do gosto.
E, no entanto, a durabilidade de certos
juízos estéticos comprovam que o "melhor gosto" é, em última análise, objetivo, referindo-se à excelência de obras do
passado que se impuseram.
Greenberg discorre no quarto ensaio,
"O Fator Surpresa", sobre a experiência
estética enquanto interação entre expectativa e satisfação, ou seja, a ruptura deve transcorrer lado a lado com certa continuidade. No que toca às vanguardas, cujo lema era a inovação constante, a regra
é a mesma, já que o que a vanguarda fez
foi apenas explicitar um direcionamento
que a "arte superior" desde sempre trouxera implícito. A continuidade da vanguarda, que ele aqui não nomeia, há de
ser a depuração da planaridade e crescente autonomia alcançadas pela arte.
Decisões arbitrárias
"A qualidade na arte parece, de certa perspectiva bastante real, ser diretamente proporcional à densidade ou ao peso da decisão que
foi tomada em sua realização." Aí reside
o motivo por que Greenberg considera
menor a arte minimalista, como a de
Judd: apesar de o tamanho, proporções,
material e cor de uma escultura modular
repetida monotonamente no espaço trazer em si certas "decisões-juízo", estas
são arbitrárias diante daquelas de uma
pintura de Kandinsky.
Aqui o autor depara-se com mais um
dos problemas apresentados pela arte
"pós-moderna" (como se convencionou
chamar certa produção artística, como a
pop e o minimalismo, a partir dos anos
60), o do "artista cínico", que substitui
intuições espontâneas (ou "decisões-juízo") por vontade e cálculo.
Essas decisões deliberadas, que ele denomina de "não-estéticas", seriam indícios de pavor, que o artista sente por divergir demais da "melhor arte do passado ou mesmo do presente". Mas é difícil
imaginar que Andy Warhol tomasse
suas decisões deliberadas em relação à
"melhor arte do passado" movido pelo
pavor. Segundo o crítico, todo artista original sente esse pavor em alguma medida, mas opta por permanecer fiel a suas
intuições.
Ainda no caso de Warhol, porventura
não estaria sendo fiel em suas obras cínicas à intuição de que a arte aurática chegara ao fim?, uma entre tantas perguntas
que Greenberg deixa sem resposta.
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