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WANDER MELO MIRANDA
O autor
Difícil escolher entre Machado
de Assis e Guimarães Rosa, a
rigor incomparáveis em qualquer
literatura.
A obra de Machado de Assis, no
entanto, destaca-se pela
assombrosa atualidade da sua
forma, entendida como tradução
da realidade social e das relações
intersubjetivas para além da
circunstância histórica e da
tradição literária em que se
situa.
O paradoxo que configura os
textos machadianos se desdobra
em situações narrativas sempre
novas diante das expectativas
do leitor, tornado personagem
de uma história cujo desfecho
não sabe nunca como será.
A razão alucinada, a ironia
devastadora, a compulsão
bibliográfica, tudo em Machado
converge para um mal-estar
cultural que a linguagem
transforma -outro paradoxo-
no prazer meio perverso de
quem escreve ou lê. Somente por
alto, e muito provisoriamente,
conseguiremos saber o que na
verdade sua obra mobiliza, razão
da extensa fortuna crítica que
não cessa de propor a si mesma e
a nós imprevistas indagações.
A obra
Publicado em 1899, "Dom
Casmurro" é um romance
excepcional. Retoma a questão
do ciúme e do adultério para dar
conta de um estado-limite que
superpõe relações sentimentais
e conflitos de classe.
O tema não é original, como
comprovam diferentes alusões a
obras e autores no curso do
próprio relato. Nada de novo, a
não ser um pequeno
deslocamento narrativo, que
resulta na invenção e
investigação de uma inesperada
perspectiva.
A escolha de Bentinho como
narrador dá ao texto que parece
fluir com naturalidade um tom
ferozmente desconcertante, vai
percebendo pouco a pouco o
leitor.
O uso da memória como
estratégia retórica de persuasão
se revela lacunar e insatisfatório
para tornar inquestionável o
pretenso triângulo amoroso
Bentinho-Capitu-Escobar.
Desajusta-se o foco, e Capitu
avulta: personagem
"magnífica", nos termos de
Graciliano Ramos, pouco dada a
arroubos e adjetivos. Instaura-se um espaço de tensão em que o
leitor passa de "voyeur" a
investigador na e da história.
Cumpre-se a magia do bruxo.
WANDER MELO MIRANDA é professor de literatura na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e autor de "Folha Explica Graciliano Ramos" (Publifolha).
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