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LEDA TENÓRIO DA MOTTA
O autor
A literatura não é um
campeonato. Mas, se, na
contramão do politicamente
correto e do pós-moderno,
considerarmos um centro do
centro do cânone para poucos,
não há como fugir de Machado.
Nem tanto porque, vivendo ao
mesmo tempo dentro e acima de
suas próprias condições, aqui
neste quintal do mundo, ele viu
tudo, como nos ensinaram.
Mas pelas complicações
interessantíssimas que temos
pela frente quando, deixando a
questão do Brasil de lado,
entramos para valer na questão
da prosa machadiana.
Não se trata só do texto que
trava, do discurso-formulário
sem centralidade autoral nem
foro decisório, do realismo
inesperado que tem ainda o
capricho de se desrealizar, das
qualidades, enfim, desses
defeitos.
Van Gogh dizia que não pintava
girassóis, mas o amarelo. É a
esse segundo grau que a
narração machadiana, que tão
acintosamente carrega a própria
literatura como motivo interno,
saindo de dentro do melhor dela
como "ex abrupto", já nos
remete. E é perto disso que tudo
o mais se torna pintura da
natureza local.
A obra
Muito do melhor de Machado
está em "Quincas Borba". É aí
que se deflagra, com o tornar-se
Napoleão do herói, uma comédia
aberta, que vai muito além dos
toques sarcásticos, geralmente
referidos ao pessimismo social
do escritor, de que nos têm
falado seus críticos.
Trata-se de um surto
espetacular, que ainda não
conseguimos encarar enquanto
tal, e com o qual nem
"Tutaméia", em que só há
chistes delirantes, pode
rivalizar. Tanto mais que
Machado é o primeiro a saber
com que abismos da
interioridade do homem "tout
court" está mexendo, já que põe
nos lábios de Rubião, no
momento em que ele
enlouquece, um estarrecedor
"riso azul claro".
Sejamos sinceros: que
neologismo, que achado, que
palavra-valise rosiana poderia
equiparar-se ao "riso azul
claro"?
LEDA TENÓRIO DA MOTTA é professora de comunicação na Pontifícia Universidade Católica
(SP), autora de "Sobre a Crítica Literária Brasileira" (ed. Imago).
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