|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HÉLIO DE SEIXAS GUIMARÃES
O autor
Machado de Assis constatava, já
em 1873, que havia no Brasil
muito amor às comparações.
Escreveu isso antes de ser ele
mesmo vítima desses
confrontos. Ainda em vida, foi
comparado, muito
desfavoravelmente, a Tobias
Barreto, Rui Barbosa, Camilo
Castelo Branco, Latino Coelho,
Laurence Sterne etc. etc.
Ao longo do século 20, volta e
meia repontava a (falsa)
questão sobre quem era o maior
escritor: Machado de Assis ou
José de Alencar. Durante a
ditadura militar, isso chegou a
ser matéria de debate no
Congresso Nacional, que
buscava um patrono para as
letras nacionais.
Faço esse pequeno histórico
para inverter os termos e refazer
a pergunta: por que esse nosso
renitente amor às comparações
sumárias que, no limite, se
reduzem a alternativas que por
sua vez implicam exclusão?
A obra
"Dom Casmurro" para mim está
entre as grandes realizações do
século 19. Não só pelo prazer que
continua a proporcionar para
quem gosta de ler ficção, mas
por ser um fato cultural de peso.
Não há outro romance que tenha
suscitado reações tão amplas e
duradouras. Isso já é um feito
num ambiente cultural em que
os livros, até mesmo os bons e
os muito bons, com muita sorte
fazem algum barulho para logo
em seguida caírem no
esquecimento.
Já no século 20, "Grande Sertão:
Veredas" é outro grande
acontecimento, que, por
caminhos e com recursos muito
diferentes, nos deixa em estado
de encantamento e suspeição.
São livros que não só estimulam,
mas acolhem com galhardia as
leituras divergentes, o que me
parece ser indício de grandeza,
vitalidade e importância. Eles
nos põem, como comunidade de
leitores, diante dos nossos
valores e preconceitos, das
limitações da nossa capacidade
de julgar, da precariedade dos
juízos críticos etc.
HÉLIO DE SEIXAS GUIMARÃES é professor de
literatura na USP, autor de "Os Leitores de Machado de Assis" (Nankin/Edusp).
Texto Anterior: João Roberto Faria Próximo Texto: Nelson de Oliveira Índice
|