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MARIA HELENA DE MOURA NEVES
O autor
Escolho Machado de Assis. Em
primeiro lugar, devo dizer que só
faço a escolha porque minha
tarefa, neste momento, é,
irrecusavelmente, escolher.
Sou instada a marcar uma opção
entre o vigor
"maravilhosamente" épico da
criação rosiana de feitos e fatos
humanos, orquestrado na força
da linguagem, e a profundidade
encantadoramente "lírica"
machadiana de um
espelhamento da vida humana,
ao qual a complexidade da
linguagem apenas serve.
Na música de Guimarães Rosa,
eu estremeço à percussão e aos
acordes fortes; na música de
Machado, eu fecho os olhos sob o
solo melodioso, as finas
dissonâncias e os arpejos, e
sofro e sorrio.
Assim, elejo Machado como o
simplesmente permanente,
aquele cuja linguagem nasce
para a sua função primeira, que é
recortar a alma humana em
palavras que se arranjam como
qualquer um quereria que elas se
arranjassem.
A obra
Escolho "Dom Casmurro".
Aí, mais que nunca em Machado,
não há personagens, mas gente.
Não se narram fatos, mas se
desnudam almas até em fundo
de poço. Não se canta nada que
deslumbre, mas produz-se uma
melodia tão paradoxalmente
doída e serena que arranca o
deslumbramento de dentro do
leitor. Uma vez lido o romance,
temos acrescentada para
sempre às nossas relações uma
galeria de pessoas que lá ficarão
como arquétipos a pautar o
recorte de campo que possamos
fazer, no curso de nossa vida, do
denso mundo dos homens.
E mais, esse livro mostra
exemplarmente o que Machado
faz com seu leitor e de seu leitor:
levando-o a duvidar até do que
um narrador protagonista
(sutilmente colocado à distância
dos fatos) lhe apresenta, joga-o
no mais fundo de seu
desencontro de ser humano.
MARIA HELENA DE MOURA NEVES é lingüista, professora da Universidade Mackenzie e da
Universidade Estadual Paulista. É autora de
"Gramática de Usos do Português" (Ed. Unesp).
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