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RAIMUNDO CARRERO
O autor
A escolha torna-se difícil, se não
impossível, considerando-se as
peculiaridades das obras e do
tempo. Machado de Assis é, com
certeza, o fundador da prosa
brasileira. Escreveu numa época
em que a literatura brasileira
apenas copiava a portuguesa,
sem autonomia, com uma
estrutura conservadora, lírica e
linear, de costumes, e que ele
desmontou.
Avançou muito na montagem da
história, a exemplo de "O
Machete", "Um Homem
Célebre" e "A Causa Secreta",
por exemplo, inserindo aí a
digressão e a ironia, barrando a
estrutura lógica que se
preocupava apenas com o
documento social, esquecendo
que o elemento artístico tem
compromisso com a estética.
Por isso abriu caminhos para
escritores revolucionários à
semelhança de Guimarães Rosa,
no uso, também, das aliterações
e rimas internas, arcaísmos e
neologismos, elevando a
digressão à melhor qualidade
artística.
Por essa renovação e por essa
antecipação, Machado é o
fundador de uma prosa
verdadeiramente brasileira,
continuada por Guimarães.
A obra
"Dom Casmurro", o romance
mais sofisticado da literatura
brasileira, é a obra principal de
Machado de Assis.
Ele usou estratégias para
seduzir o leitor a partir do nome
do romance, que desvia toda a
carga emocional de Capitu para
jogá-la em Dom Casmurro.
Na verdade, Machado escreveu
uma versão do "Otelo", a partir
do ponto de vista de Iago -o
intrigante personagem da peça
teatral de Shakespeare-, e não
um romance convencional.
O Iago da peça tem como tarefa
intrigar Otelo. O Iago do
romance, Bentinho Santiago,
tem como objetivo intrigar o
leitor. Iago convence Otelo de
que Desdêmona o trai, e
Bentinho convence o leitor de
que é traído por Capitu. São dois
os narradores: oculto e
onisciente.
Além do mais, Casmurro não
existe fisicamente na história.
Desaparece no primeiro capítulo
-"Casmurro não está aqui no
sentido que lhe dão"- para
voltar no capítulo 148 -"Quando
saí do quarto, tomei ares de pai,
um pai entre manso e crespo,
metade Dom Casmurro".
A outra metade era Bentinho,
outro narrador.
RAIMUNDO CARRERO é escritor, autor de "O
Amor Não Tem Bons Sentimentos" e "O Delicado Abismo da Loucura" (ed. Iluminuras).
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