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Filhos não reconhecem os pais
Cerca de 40% dos trabalhadores na colheita de cana-de-açúcar em SP são migrantes provisórios
DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP
H
ouve um dia em
que Raimundo
Francisco foi contar a história da
sua vida aos seis
companheiros com quem divide uma casa no interior de São
Paulo. Nenhum ficou até o fim.
"Para não chorar", diz. Todos
são do Maranhão. Seis vieram
de Codó, um de Timbiras, municípios cujos índices sociais
fazem dos bairros pobres de SP
o melhor lugar do mundo.
Reginaldo trabalhava na roça própria. Fora da época da
colheita, "o pior do dia era chegar em casa e não ter o que comer". No fim do ano, ele reencontrava os amigos que desde
abril estavam para os lados do
sul colhendo cana. Apareciam
com "uma motinho, um som".
"Eu queria ter também."
Como os outros maranhenses que se apertam em dois cômodos. O mais novo tem 22
anos. O mais velho, 46. São casados, com quatro filhos na
média. Dois são alfabetizados.
Dizem ganhar de R$ 700 a
R$ 900 mensais brutos, mantêm contratos de safristas com
usinas -em novembro rumam
para o Maranhão. Sustentam-se longe de suas terras, mandam ajuda e persistem no sonho de não retornar de mãos
vazias. Falam dos filhos que
não os reconhecem na volta.
Dois garotos de Raimundo
choraram e fugiram ao vê-lo.
A União da Indústria da Cana-de-Açúcar estima que pelo
menos 54 mil cortadores de cana do Estado (40% da mão-de-obra) sejam migrantes provisórios. Deve haver mais, porque
muitos já são inscritos com
seus endereços paulistas. Milhares desembarcam em ônibus alugados por eles ou por
"gatos", os intermediários da
contratação para o corte.
Na leseira da folga semanal,
os colegas inventariam estragos. Edizon cortou um dedo
amolando o facão. Com dor na
coluna, Manoel não comparece
à lavoura há dois dias.
Pedem que não se diga em
que cidade moram, mas permitem a gravação da entrevista.
Sabem de quem arruma outra
família, "local". E de conhecidos que voltaram oito meses
depois e deram com a mulher
recém-barriguda. As moças
paulistas da vizinhança não estão nem aí para os cortadores.
Amigos lastimam que, no prostíbulo, a rameira menos cotada
cobre o equivalente a um dia e
meio de salário do trabalhador.
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