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Lida subjetiva
Para entidade que representa produtores, mídia tende a generalizar maus exemplos pontuais
EM SÃO PAULO
N
a sala do décimo
andar de um edifício da avenida Brigadeiro Faria Lima, onde o diretor
técnico da União da Indústria
da Cana-de-Açúcar concede
entrevista em São Paulo, as paredes estampam seis fotografias emolduradas. Três mostram caminhões descarregando cana; duas focam outros ângulos de uma usina; e uma descortina o canavial imponente
-sem vivalma à vista.
Esse mundo o administrador
de empresas Antonio de Padua
Rodrigues, 56, conhece bem.
Aos oito anos, nas férias escolares, ele cortava cana no interior. "Falar que é fácil é mentira", reconhece. Uma tia morreu na mesma lida, picada por
uma cobra cascavel.
Hoje o sobrinho dela, nascido em família modesta, é um
fabuloso banco de dados cerebral, uma das duas vozes mais
reconhecidas da entidade que
reúne usinas de São Paulo
-Estado produtor de 60% da
cana do país-, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. A outra face mais
visível da Unica (pronuncia-se
"única", proparoxítona) é a do
seu presidente, Marcos Jank.
Do que morrem os canavieiros? O corte de cana "não mata", afirma Padua. "Pode-se
morrer em qualquer situação,
local e hora." Na sua opinião, "o
serviço não leva à exaustão.
Ninguém é obrigado a cortar
cana ininterruptamente".
Movimentos como as flexões
não causam problemas? Complicações com a coluna "também tem quem trabalha em escritório diante do computador", sustenta o executivo.
Mesmo assim, algumas companhias promovem ginástica
laboral para os funcionários no
campo, como comprovam imagens em publicações. Ao acompanhar turmas de empregados
de usinas e fornecedores de cana, os repórteres não testemunharam lavradores se exercitando -a não ser com o facão.
A associação dos usineiros
rejeita projeções sobre a vida
útil dos cortadores. Nem sabe
definir quanto tempo eles permanecem na atividade.
O pagamento por produção
não incentiva o trabalhador a
ultrapassar seus limites? "Não
existe esse absurdo de que falam", diz Padua. Ele estima o
piso salarial no Estado em uma
faixa de R$ 480 a R$ 550. "O
trabalho é difícil, penoso, mas
não é desumano."
Segundo o Instituto de Economia Agrícola, em 2007 a remuneração média pelo corte
em São Paulo foi de R$ 720.
Nas contas da Unica, por volta
de 95% do emprego local no
cultivo da cana é formalizado.
A Unica contesta igualmente
as autuações do Ministério do
Trabalho por submissão, em
canaviais, de trabalhadores a
condição análoga à de escravo.
Há excessiva subjetividade
na interpretação dos fatos, diz
Padua. "Pagar abaixo do salário
mínimo é trabalho escravo?",
indaga. Propõe revisar a legislação para torná-la mais clara
-o Código Penal prevê o crime
referente ao trabalho escravo.
"Heróis" de Lula
Um problema do setor sucroalcooleiro, aponta Padua, é a
terceirização da produção de
cana. Protocolos definem o fim
da prática para 2010 em São
Paulo. Ela "traz desconforto",
diz, porque as usinas "têm que
responder [na Justiça] como se
fosse trabalho próprio".
Na visão dos usineiros, pesquisas sobre o impacto nocivo
do trabalho padecem de limitação severa: o universo pequeno
dos indivíduos analisados. É o
caso, exemplificam, de tese sobre o nível elevado de substâncias cancerígenas na urina de
41 cortadores durante a safra.
Outra crítica se dirige contra
organizações civis e o jornalismo. Do ponto de vista da Unica,
tomam-se como padrão alguns
maus exemplos pontuais de
gestão do trabalho. A agremiação e seus 117 associados (eram
menos de 90 um ano atrás)
mantêm 154 iniciativas de qualificação de mão-de-obra.
O segmento de cana, açúcar e
álcool deve movimentar R$ 40
bilhões neste ano no Brasil, diz
a Unica. O valor corresponde a
pouco mais de 1,5% do PIB.
A Secretaria da Agricultura e
Abastecimento avaliou que a
cana-de-açúcar representou no
ano passado 36% do valor da
produção agropecuária de SP.
O Estado deve fechar o ano
com 181 usinas, sete a mais que
as já em funcionamento. No
centro-sul, incluindo o Sudeste, de 80 a 90 devem começar a
operar em três anos. No país, há
em torno de 370.
A imagem dos usineiros, que
já foram sinônimo de irresponsabilidade social e paradigma
de beneficiários de benesses do
Estado, vem mudando. Pelo
menos para o presidente da República, natural de Pernambuco, área canavieira tradicional.
Luiz Inácio Lula da Silva disse em março de 2007: "Os usineiros, que até seis anos atrás
eram tidos como se fossem os
bandidos do agronegócio neste
país, estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo
mundo está de olho no álcool".
Neste ano, Lula minimizou o
trabalho degradante na roça:
"Vira e mexe, estamos vendo
eles [europeus] falarem do trabalho escravo no Brasil, sem
lembrar que no desenvolvimento deles, à base do carvão, o
trabalho era muito mais penoso que o trabalho na cana-de-açúcar".
Os usineiros são mesmo heróis? Padua cita o jogo duro do
mercado mundial, as pressões
ambientais e sociais. Sua síntese: os empresários "têm coragem de se expor. O setor não é
de aventureiros".
Na despedida dos jornalistas,
a Unica entregou publicações,
algumas em inglês. Nelas cintilam fotos de usinas e de canaviais. Em nenhuma aparece um
só trabalhador cortando cana.
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