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Ponto de fuga
As convicções do artista
Jorge Coli
especial para a Folha
Arte e política não fazem bom casamento. É o que dizem, pelo menos. Sartre via, na arte engajada, um problema. Outros faziam dessa aliança uma profissão de fé.
Menos arrebatados, outros, ainda, simplesmente não
conseguiam se manter indiferentes aos desmandos do
mundo.
A exposição "Arte e Sociedade", apresentada no Instituto Itaú Cultural (SP), reúne obras brasileiras marcadas pelo empenho social e político. O período é longo:
mais de 70 anos, que começam nos anos de 1930 para
chegar aos dias de hoje. Desde o início do percurso, a
impressão é poderosa, a qualidade é grande.
Elas foram muito bem escolhidas, não apenas para
ilustrar a relação complexa que o tema impõe, mas como esplêndidos objetos de arte. Os Portinari, sem facilidades demagógicas, e os Di Cavalcanti, sem desleixos
formais, encontram-se entre os mais belos que esses
pintores produziram. Há obras evidentes e inevitáveis,
como "Operários", de Tarsila do Amaral, ou "Acidente
de Trabalho", de Sigaud; há descobertas, pela valorização de pintores notáveis, mas um pouco esquecidos.
Nas salas consagradas ao período mais recente, aqui e
ali a complexidade artística fraqueja, pelo caráter mais
imediato da denúncia, pelas metáforas muito estridentes e redutoras. Mas são poucos esses casos. A exposição
desfaz, antes, um mito: o de que a arte, ao incorporar
preocupações sociais e políticas, se rebaixa e se perde.
Prisão - Os artistas são livres, os artistas devem ser livres. Resta o fato de que nem sempre a repressão e a
censura, as pressões e as diretivas, impediram o surgimento de grandes obras de arte. Puderam mesmo ser
um estímulo criador. Salvador Dalí costumava dizer
que o período áureo da pintura espanhola, o século 17,
do absolutismo e da Inquisição, foi o de um Estado tirânico, opressivo, obsessivamente controlador. Com seu
espírito de provocação, afirmava que o lugar melhor
para as artes do século 20 seria a União Soviética de Stálin: pena porém que os russos não tivessem boa tradição de pintores...
É verdade que nada impediu os soviéticos de produzirem algumas dentre as maiores obras-primas do cinema e da música. É verdade também que, em Hollywood, o código Hays, durante decênios impondo o número de minutos que um beijo podia durar ou proibindo a exibição dos umbigos na tela, em meio a um sem-fim de regras perversas, estimulou a imaginação de diretores. Para não tropeçar no moralismo imbecil, eles
eram obrigados a encontrar soluções maravilhosas, que
não teriam existido sem aquela legislação puritana. A
questão da liberdade nas artes é antes ética que estética.
Leatherface - Há duas semanas, ocorreu um erro nesta
coluna. "O Massacre da Serra Elétrica" foi ilustrado, por
equívoco, com uma foto de "Loucademia de Polícia 4"
(Jim Drake, 1987), que faz uma alusão caricatural ao filme dirigido por Tobe Hooper. Houve uma chuvarada
de e-mails, com leitores protestando e corrigindo. Muitos deles vieram com comentários apaixonados e argutos. Dois assinalaram um erro... na tradução do título
original! Com muita razão: não se trata de uma serra
elétrica. Ela nunca está ligada a alguma tomada. O título
deveria ser "O Massacre da Motosserra".
Buço - O filme "Frida" traça uma trama não muito
complexa entre história, arte e indivíduos. O personagem de Diego Rivera, em particular, aparece muito simplificado. Julie Taymor, porém, é uma cineasta de primeira. Mais discreta do que em seu "Titus Andronicus"
(2000), de truculência bárbara e devastadora, com menor efervescência inventiva do que em sua montagem
de "O Rei Leão", para a Broadway, ela faz vibrar a intimidade de sua protagonista nas dores do corpo e da alma. Mostra-se mais interessada na mulher do que na
pintora. O filme completa bem "Craddle Will Rock"
("O Poder Vai Dançar", Tim Robbins, 1999), obra mal-amada, embora intrincada e profunda. Em ambos se vê
a destruição do mural encomendado por Rockfeller a
Rivera.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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