São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004 |
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Na órbita do privatismo espúrio
"Vida Pública e Identidade Nacional" analisa a dificuldade de constituir no Brasil
um espaço público que não seja projeção do interesse familiar e oligárquico
Do homem brasileiro dizia Agrippino Grieco: é um macaco caído
do coqueiro dentro do automóvel de Jotaká. Dir-se-ia hoje: um
macaco que, sentado no sofá de plástico,
assiste ao "Faustão". Intitulou Eduardo
Frieiro um de seus livros: "O Brasileiro
Não É Triste". A despeito do que consignou Carlos Guilherme Mota contra os "explicadores do Brasil", achamos bacana os
estudos que tematizam o que nós, brasileiros, somos na sociedade e na cultura.
Neste livro sobre a identidade nacional a
questão-chave é a dificuldade entre nós de
constituir um espaço público que seja do
público, e não projeção do interesse privado, familiar, oligárquico, patoteiro, seja do
patronato, seja do patriciado. É a república
da família de que falava o padre Antônio
Vieira. O tudo pelo pessoal. Nossa senhora
é minha nossa senhora. O barato dela é,
antes de tudo, comigo. O personalismo invade a mais rigorosa planilha acadêmica.
Somos citados e recitados de acordo com o
vai-e-vem, pragmático e instrumental, da
amizade e do cenáculo.
O sociólogo Lavalle merece ser elogiado
por ter posto Nestor Duarte, quanto à reflexão sobre "a lógica patriarcal e privatista
das relações sociais", no mesmo patamar
de importância dos figurões Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. Em sua
abordagem quiasmática, "leituras cruzadas", no dizer do prefaciador Gabriel
Cohn; é uma pena que não fosse enriquecida com as contribuições da antropologia
dialética de Darcy Ribeiro acerca da tibieza
do espaço público. Afinal, a configuração
urbana do shopping center não erradicou
o etos privatizante e familiar do latifúndio
exportador.
A civilidade da vida pública continua
sendo de índole familiaresca na política
dos sucessivos doges e dos "clãs parentais", como dizia Oliveira Viana. É que, sob
o jugo sedutor dos estamentos multinacionais, a classe dominante consolidada depois do golpe de 64, nos tornamos superurbanóides no capitalismo videofinanceiro, mas não conseguimos sair da órbita do
privatismo espúrio.
Nos últimos dez anos a vida pública encolheu com as privatizações internacionais. E nisso as ciências sociais têm culpa
no cartório epistemológico, com um discurso invariavelmente urdido de "contrapelo", "sinais trocados" e "soma zero". Na
verdade, quanto mais regredimos no publicídio, o ocaso da esfera pública, mais
abusamos da palavra da moda: "cidadania". Esta, se não é feita por obra e graça do
Espírito Santo, é concebida como uma variável inteiramente à margem da soberania da nação.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de, entre outros livros, "Brazil no Prego" (Revan). Vida Pública e Identidade Nacional 224 págs., R$ 32,00 de Adrián Gurza Lavalle. Ed. Globo (av. Jaguaré, 1.485, 3º andar, CEP 05346-902, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/3457-1545). Texto Anterior: + livros: Libertinagem por temperamento e princípio Próximo Texto: Ponto de fuga: Uma casa portuguesa Índice |
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