São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004 |
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CONTOS CRUÉIS
Três romances publicados no Brasil lançam luz sobre a nova safra de
ficcionistas argentinos, que oscilam entre o realismo, o kitsch e o gênero policial
A literatura argentina ainda é muito
pouco divulgada no Brasil. Exceto
por Jorge Luis Borges, recentemente Ricardo Piglia (e, em menor medida, Juan José Saer) e algumas iniciativas corajosas da editora Iluminuras,
são muito poucos os livros do país vizinho
a serem traduzidos para o português. É razão para celebrar, portanto, que três romances de novos autores de lá tenham sido lançados por aqui em um curto espaço
de tempo. São eles: "A Morte como Efeito
Colateral", de Ana María Shua, "A Assassina de Lady Di", de Alejandro López, e
"Crimes Imperceptíveis", de Guillermo
Martínez.
O primeiro, que se filia à tradição de narrativas distópicas, é o mais bem construído entre eles. Em uma Buenos Aires de um
futuro não muito distante, o maquiador e
roteirista de cinema Ernesto Kollody conta
a uma interlocutora a que não temos acesso os acontecimentos turbulentos de sua
vida depois que eles se separaram: um namoro desinteressante, uma mãe que
enlouquece e um pai com um câncer aparentemente fatal que insiste em sobreviver.
São de um realismo bastante perturbador as descrições de uma cidade em que
não é mais possível caminhar em segurança e na qual o único meio de transporte
confiável são táxis blindados ou as explicações do funcionamento do sistema de saúde local, que obriga qualquer pessoa sem
condições físicas perfeitas a se retirar para
uma espécie de hospital de inválidos do
qual não se pode mais sair. Além disso, a
autora conduz bem a intriga do romance,
mantendo com cuidado ao longo de todo
o seu desenvolvimento uma atmosfera de
um certo desespero irônico alternadamente letárgico e histérico.
Próximo da linhagem de um Manuel
Puig, "A Assassina de Lady Di" já é bem diferente. Trata-se de um tipo de ficção menos tradicional do que a anterior, mas que,
ao mesmo tempo, se vale de uma série de
recursos que estão se desgastando (também no Brasil) por um uso mais do que excessivo, principalmente a menção ao universo kitsch e aos clichês da cultura de
massa. A intenção parece ser às vezes crítica, às vezes política.
Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (ed. Globo). A Morte como Efeito Colateral 208 págs., R$ 29,00 de Ana María Shua. Trad. André de Oliveira Lima. Ed. Globo (av. Jaguaré, 1.485, CEP 05346-902, SP, tel. 0/ xx/11/ 3362-2000). A Assassina de Lady Di 149 págs., R$ 24,90 de Alejandro López. Trad. Hugo Adrian Martínez. Ed. Garçoni (r. Benito Juarez, 139, CEP 04018-060, SP, tel. 0/xx/11/5574-6319). Texto Anterior: + livros: Liberdade vigiada Próximo Texto: + livros: A construção social da violência Índice |
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