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+ literatura
Para o chileno Jorge Edwards, que publicou um ensaio sobre o autor de
"Dom Casmurro", o brasileiro tematizou a identidade "frágil" do continente
O Machado latino-americano
Marcos Flamínio Peres
Editor-adjunto do Mais!
Machado de Assis não necessita de mais nenhum superlativo: já é considerado o principal intérprete das contradições do Brasil
da segunda metade do século 19 e, também, um dos grandes dissecadores da precária condição do homem no universo. Mas um livro recém-publicado na Espanha lhe atribui outro: o de investigador
implacável, assim como Borges, "de nossa identidade
frágil e cambiante" de latino-americanos.
"Machado de Assis" (ed. Omega, 241 págs., 19,50 euros),
do escritor chileno Jorge Edwards, consiste em um ensaio crítico-biográfico seguido de uma antologia do autor de "Dom Casmurro", que passou a vida a observar o
acanhado microcosmo carioca do século 19.
Ganhador em 1999 do Prêmio Cervantes, o principal
em língua espanhola, Edwards, 71, relembra, em entrevista ao Mais!, como teve contato pela primeira vez com
a obra de Machado. Foi por intermédio de um "brasileiro extravagante" que conhecera em Santiago no início
dos anos 50 -o cronista Rubem Braga, que exercia na
época a função de diplomata na capital chilena.
Autor de romances que dramatizam a decadência da
sociedade tradicional de seu país, como "A Mulher
Imaginária" (Rocco), Edwards fala do esgotamento do
modelo do realismo fantástico, que "se profissionalizou". E também diz apreciar a produção brasileira recente, como Rubem Fonseca e Haroldo de Campos.
O sr. foi apresentado à ficção de Machado por um dos
grandes cronistas brasileiros. Quais outros críticos ou escritores mais marcaram sua leitura de Machado?
Rubem Braga foi um iniciador convincente, com
verdadeiro talento literário e sentido do humor. Acabei por pensar que o humor é uma
coisa muito séria. Depois transmiti
meu entusiasmo e conheci o entusiasmo machadiano de muitos outros, escritores e não-escritores.
O sr. se considera um escritor influenciado por Machado ou por alguma obra sua?
Ele exerceu influência em minha maneira de escrever: o narrador humorista de Machado de Assis, o de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o de "Dom Casmurro", o dos melhores contos. Também me agrada
seu humorismo melancólico, disfarçado em um sorriso um pouco triste, do "Memorial de Aires".
A que o sr. atribui o ineditismo de Machado no quadro da
literatura latino-americana do século 19?
Esse é um dos grandes mistérios da literatura latino-americana.
Qual é a causa da "descoberta" recente da ficção de Machado nos países de língua hispânica e língua inglesa?
Ao fato de ser um escritor de interesse permanente e
de surpreendente modernidade.
É hoje um lugar-comum da crítica afirmar que, se tivesse
escrito em uma língua com maior penetração, Machado
teria sido considerado um dos autores fundamentais do
século 19. Em que isso teria modificado a evolução do romance ocidental tal como a conhecemos hoje?
Não sei se isso teria mudado a história do romance
ocidental, mas com certeza teria influído muito nos
romances de língua espanhola e portuguesa. Em espanhol apreciamos mais os romances de violência e
também o realismo mágico. Mas o narrador de Machado tem pontos em comum com o de Cervantes,
como já defendi por várias vezes. É possível traçar
uma linha entre o "Quixote", o "Tristram Shandy"
[de Sterne] e o narrador de "Memórias Póstumas".
Há alguns anos o mexicano Carlos Fuentes publicou um
artigo chamando o brasileiro de Cervantes do século 19.
O sr. acredita que a aproximação com o "Quixote" seja
um modo especificamente hispânico de ler Machado?
O interessante é a leitura do "Quixote" que fez o próprio romancista brasileiro. Ela é menos evidente que
a leitura que faz de Shakespeare, mas ela avulta de
várias maneiras. Leio Machado na companhia de
Cervantes, Pirandello e outros.
O sr. diria que o conto "Um Homem Célebre", que o sr.
tanto admira, de certo modo prenuncia o ensaio de Borges "O Escritor Argentino e Sua Tradição", no que diz respeito à busca de uma identidade latino-americana?
Sempre pensei que Machado e Borges têm muito em
comum. Ambos tinham consciência de nossa identidade frágil e cambiante: consciência lúcida e irônica.
O sr. lamenta em seu livro que "a crítica do Brasil nunca
foi complacente com seu grande mestre", isso por ser
"muito sul-americana -complexada, temerosa, submissa". Mais adiante o sr. diz de Machado que
"teve um destino sul-americano, como o
antepassado de Borges". Qual a razão
dessa "submissão" de nossa crítica?
Tendemos a crer nos valores literários
quando a consagração vem de fora.
Somos mais fortes na imaginação
criadora do que na inteligência crítica. Mas, se escrevi generalidades sobre a crítica do Brasil, tema que não
conheço, creio que chegou o momento de fazer minha autocrítica.
Após o boom dos anos 60, o quadro da literatura latino-americana sofreu um refluxo devido ao esgotamento do
modelo do realismo fantástico. Como o sr. vê o estado
atual da literatura latino-americana?
Sair do realismo mágico era uma necessidade. Começamos a nos converter em latino-americanos
profissionais, mas acontece que a literatura não é
uma profissão.
O sr. vê algum algum escritor da estatura de Machado
surgindo na literatura atual?
Gostaria de vê-lo. É possível que esteja em alguma
parte e ainda não seja completamente visível.
O sr. acompanha a literatura brasileira atual?
Acompanho de longe e mal, mas admiro Nélida Piñon, Rubem Fonseca e alguns outros. Sempre me
deixam entusiasmados os ensaios literários sobre temas intrincados que escreve Haroldo de Campos.
Qual é o seu Machado de cabeceira?
Isso foi mudando em cada época. Agora são alguns
contos, entre eles "Um Homem Célebre".
Onde encomendar
"Machado de Assis", de Jorge Edwards, pode ser encomendado,
em SP, na livraria Letraviva (tel. 0/xx/11/ 3088-7992).
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