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AMÉRICA
Marco Villa
O sonho de Simon Bolívar da união da América
acabou se realizando em 2010, quase cem
anos após a sua formulação. Com a aprovação da Carta do Panamá, quando estiveram
reunidos todos os chefes de Estado da América, foi criada a Comunidade de Estados Americanos (CEA) e estabelecidas regras de transição para a unificação econômica do continente. Na primeira década da CEA foram
estipuladas as normas que regulamentam a unificação e
buscam soluções harmônicas, isso em um continente
tão plural como o americano. Mas foi nos anos 2020 que
o processo de unificação se completou, não sem traumas e rupturas.
Em 2023, três grandes acontecimentos marcaram o
ano na América. O primeiro foi a eclosão de uma revolução no México. O país vinha passando por sérios problemas econômicos havia décadas. A adesão ao Nafta
[Acordo de Livre Comércio da América do Norte] tinha
diminuído a autonomia mexicana a tal ponto que 90%
do seu comércio exterior era realizado com os Estados
Unidos e o Canadá.
As sucessivas crises do capitalismo estadunidense,
que se manifestaram desde a vitória contra o Iraque, em
2003, enfraqueceram ainda mais a economia mexicana.
Greves, invasões de terra e a tentativa de golpe militar,
liderada pelo general Rafael Campos, agravaram ainda
mais o quadro político. A emigração em grande escala
para os Estados Unidos e o Canadá serviu para diminuir as tensões sociais. Mesmo assim, a revolta camponesa não parou de crescer até a eclosão da revolução,
em 2023.
O segundo acontecimento foi o agravamento da crise
econômica estadunidense. Os gastos militares, que
cresceram em grande escala desde a Guerra do Iraque,
obrigaram o governo a cortar os gastos sociais, absorvidos em sua maioria pelos negros, hispânicos e árabes,
estes chegados ao país após a transformação da Mesopotâmia -denominação dada ao Iraque em 2005-
em protetorado dos EUA.
Como consequência, ocorreram distúrbios em várias
cidades, contidos graças à ação repressora da Guarda
Nacional. O mais grave incidente foi em Chicago, em
2022, quando a zona norte da cidade ficou sob controle
dos insurretos durante quatro dias, obrigando o governo a declarar o "estado de guerra interno", suspendendo as garantias constitucionais e impondo a censura,
com a autorização da Suprema Corte.
O terceiro grande acontecimento de 2023 ocorreu no
Brasil. Depois de duas décadas de reformas econômicas
e de um crescimento do PIB de 10% em média nos anos
de 2010, o país se transformou na segunda economia do
continente americano. A prosperidade econômica facilitou o processo de integração política com a Argentina,
que foi aprovado no plebiscito de 2019, realizado nos
dois países. Desde então, a CAB (Comunidade Argentino-Brasileira) passou a representar os interesses de 220
milhões de habitantes. Em 2023, estava na presidência
rotativa da CAB -o mandato é de dois anos- [o político e ex-automobilista argentino" Carlos Reutmann.
Canadá "europeu"
O Canadá formalizou sua saída da Comunidade de Estados Americanos em 2022. O
premiê Edward Thompson comunicou ao presidente
do conselho da comunidade, John Mills, que, para os
canadenses, sempre interessou fazer parte de uma zona
de livre comércio, isto desde os tempos do Nafta, mas a
livre circulação dos cidadãos criou inúmeros problemas ao país: aumento indiscriminado da população,
crescimento dos índices de criminalidade e degradação
do nível de vida. O ápice do processo foi a solicitação de
um plebiscito na Província de Vancouver, de maioria
hispânica, propondo que o castelhano fosse a língua oficial local. Os protestos ocorridos em todo o país, especialmente na costa leste, pressionaram o Parlamento,
que aprovou a proposta do primeiro-ministro. Em seguida, o Canadá solicitou oficialmente a admissão na
Comunidade Européia.
Se no Cone Sul a democracia se consolidou, o mesmo
não ocorreu na Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. No último, a luta guerrilheira liderada pelo ex-presidente Hugo Chavez transformou algumas regiões
em "territórios liberados". Chavez criou a República
Bolivariana de Maracaibo, que não obteve o reconhecimento diplomático de nenhum país. Na Colômbia, as
Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)
comemoraram 65 anos de fundação, ocupando durante
três dias a cidade de Cali, para depois voltarem à selva.
No Equador, um golpe militar derrubou o presidente
Lucas Galván, que tinha iniciado um projeto de reforma
agrária: os golpistas prometeram convocar eleições em
um futuro próximo.
Peru e Bolívia, que tinham iniciado um processo de
fusão em 2017, quando eram governados por presidentes de origem indígena, Juan Gutierrez e Pablo Aymar,
respectivamente, acabaram se separando por divergências políticas e econômicas, dois anos depois. Nos dois
países, com um intervalo de um ano, golpes militares levaram ao poder novamente os generais.
Os países da América Central continental, por proposta do presidente da Costa Rica, Jose Hernandez Villegas, resolveram criar uma federação: os Estados Unidos da América Central (EUAC). Foi eleito pelo Congresso dos Deputados dos EUAC como presidente interino Daniel Ortega, ex-guerilheiro e socialista que passou pela Presidência da Nicarágua para, depois, se consolidar como próspero empresário e defensor da livre
iniciativa.
Nas Antilhas o maior problema continuou sendo Cuba. Após a morte de Fidel Castro em 2007 e o fracasso
do sucessor, Raul Castro, derrubado por um golpe militar em 2008, foram convocadas eleições meio século
após a vitória dos guerrilheiros do movimento 26 de Julho. O vencedor foi Danny Gutierrez, cubano nascido
em Miami. Acusado de vinculações com o narcotráfico,
sofreu um processo de impeachment em 2011, aprovado pelo Congresso. Uma nova eleição acabou tendo como vencedor o irmão de Danny, Teddy Gutierrez, o que
motivou novo golpe militar, liderado pelo general Lucio
Cabañas com o discreto apoio estadunidense. No Haiti,
Pierre Duvalier, neto do ditador François Duvalier, o
"Papadoc", venceu as eleições de 2018. Usou como arma eleitoral a epidemia de Aids, ocorrida nos anos
2016-2017, que levou à morte 1/3 da população da ilha.
Segundo Duvalier, a epidemia era uma represália divina
contra a expulsão da sua família, durante 30 anos, do
Haiti. Um ano após as eleições, fechou o Congresso e
impôs nova ditadura ao país. Em 2023 foi coroado rei.
Em dezembro de 2023, no Panamá, durante a reunião
anual dos Chefes de Estado da CEA, foi aprovado como
hino da comunidade a composição dos brasileiros Gilberto Gil e Capinam "Soy Loco por Ti América".
Marco Antonio Villa é professor de história no departamento de
ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e organizador de "Canudos, História em Versos" (Imprensa Oficial de SP/Edufscar/ed. Hedra).
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