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Cultura
"São apenas fotos, não a vida"
Retratista mais solicitada da atualidade, Annie Leibovitz fala de sua mostra em Paris e relembra
Susan Sontag
CLAIRE GUILLOT
Para encontrar a americana Annie Leibovitz é preciso mostrar
a que se veio. Quem
quer que seja deve
enviar seu currículo ("detalhado, por favor") com antecedência. E, de todo modo, não espere muita coisa: você terá no
máximo 20 minutos com ela.
Aos 58 anos, a fotógrafa das
estrelas imortalizou todos os
que contam no planeta, sejam
políticos, esportistas, atores,
cantores ou empresários, de
George Bush a George Clooney, de Patti Smith a Bill Gates.
E as maneiras de seus modelos parecem ter-se decalcado
nela. Para o vernissage em Paris de sua exposição na Casa
Européia da Fotografia [até
14/9], ela chegou de limusine.
E suas entrevistas mais parecem "junkets", esses pequenos
encontros em série que os astros do cinema fazem com a
imprensa internacional.
Destaque da revista "Vanity
Fair" há 25 anos, ela começou
na "Rolling Stone" com 20
anos, em 1970, clicando os heróis da era rock and roll. Quem
não se lembra da simbólica foto
de John Lennon nu, enrodilhado em Yoko Ono, feita horas
antes de seu assassinato?
Outras imagens suas também causaram sensação, como
a de Demi Moore, em 1991, grávida de oito meses e vestida
apenas com um enorme anel
de brilhantes. Hoje Annie Leibovitz é a retratista mais requisitada do mundo. E a mais cara.
Mas de perto a fotógrafa
americana não tem nada de estrela. Calma, direta, vestida
descontraidamente, sem nenhuma maquiagem, deixa claro
que seu modo de vida não tem
nada de glamouroso.
"Eu não almoço com Mick
Jagger, se é o que você quer saber. Há algumas pessoas das
quais me tornei amiga, como
Patti Smith, mas é muito raro.
Todos nós temos agendas sobrecarregadas." E acrescenta:
"De todo modo, não tenho necessidade de muitos amigos".
A fotógrafa não recua diante
de nada para tirar "a" foto:
mandar construir um aquário
gigante para nele mergulhar a
atriz Kate Winslet ou obrigar
Demi Moore a suportar 13 horas de maquiagem para aparecer nua com um falso figurino
pintado sobre o corpo.
Ninguém se recusa a posar
para Leibovitz. Mas, mesmo
para a estrela da fotografia, a liberdade é estreitamente vigiada. Na indústria em que se tornou a celebridade, Leibovitz é
antes de tudo uma engrenagem
eficaz. E sabe disso.
"Está no meu contrato que
devo fazer capas, mas não gosto. As capas servem para vender, as revistas são obcecadas
por elas. Não posso pedir que
as pessoas posem com suas
roupas de todo dia, elas têm de
usar marcas. Nesse nível deixa
de ser uma foto, é publicidade."
Fotos irônicas
Ela gosta mais das fotos irônicas, como a do bilionário Donald Trump, ridículo ao lado de
sua mulher muito jovem e grávida, vestida com um biquíni
dourado, ao pé de um jatinho.
"São as que prefiro. Mas nem
sempre é possível." A maioria
de seus retratos são imagens
eficazes e espetaculares, que
quase sempre atingem o alvo.
Ao contrário das celebridades que fotografa, Leibovitz fala à vontade sobre sua vida privada. Sua exposição nasceu de
um livro intitulado "La Vie d'une Photographe - 1990-2005"
[A Vida de Uma Fotógrafa], que
mistura suas fotos de estrelas
em ricas cores com um grande
número de imagens pessoais
em preto-e-branco.
Ou seja, de um lado um mundo de sonho e beleza, onde o
tempo não passa. E, do outro,
um mundo de dor e tristeza.
Pois, apesar de alguns instantes de felicidade familiar, como
o nascimento de suas três filhas, lembramo-nos sobretudo
das imagens que mostram a famosa ensaísta Susan Sontag,
que foi sua companheira durante 15 anos, definhando de
câncer em um hospital e finalmente morrendo.
"Quando fiz esse livro, vi as
fotografias desse período e percebi que as mais importantes
para mim eram as fotos pessoais. Susan acabara de morrer,
meu pai acabara de morrer...
Em certo momento isso coloriu
toda a minha vida."
Seu discurso desacelera.
Tenta explicar por que fez essas
fotos. "Quando os tratamentos
fracassaram, me obriguei a fotografar. Susan teve uma morte
horrível, dolorosa. Quando estamos assustados, angustiados,
recorremos ao que nos define.
Tinha a fotografia antes de conhecer Susan, e a teria depois
dela. Utilizei-a como consolo."
Sua emoção é visível, mas se
recompõe rapidamente. Fotografou celebridades demais para se deixar levar pela ilusão das
imagens. "Você sabe, são apenas fotos. Fabrico uma história.
Mas não é a vida."
Os 20 minutos se passaram.
Annie Leibovitz cumprimenta
a repórter pelas perguntas. Ela
gostaria de continuar, então
propõe que você lhe telefone
mais tarde. Mas alguns dias depois sua secretária lhe dirá que
ela está ocupada demais.
A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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