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Livros
Histórias de boa e má famas
"Celebridade" se debruça sobre as personalidades e o mecanismo de valorização do showbiz
BEATRIZ RESENDE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Celebridade é, decididamente, uma palavra mágica. Vende
revistas, filmes, downloads de música para celulares, álbuns de figurinha ou sapatos incômodos.
Pergunto-me se o estudo de
Chris Rojek (da Nottingham
Trent University, Reino Unido), "Celebridade", chegaria ao
Brasil, país tão parcimonioso
na publicação de estudos teóricos, se tivesse outro título.
O livro é sério, e, mesmo que
a pesquisa realizada não seja
das mais áridas, é vasta e honesta, mas sete ou oito anos
após ser escrito, chega velho e
se revela, por trás de um biombo "trompe l'oeil" pós-moderno, tímido e conservador.
A parte inicial na obra tem
sua originalidade ao concentrar a análise na própria figura
da celebridade.
Ênfase na pessoa
Ainda que anunciando tratar
a celebridade como "a atribuição de status glamouroso ou
notório a um indivíduo dentro
da esfera pública", sua atenção
maior é às características pessoais da celebridade e abre seu
elenco com a brasileira Gisele
Bündchen, apresentada como
"glamourosa".
Essa simpática citação, aliás,
mereceu crítica de Georges-Claude Guilbert, na revista
"Cercles", que considerou que
seria melhor mencionar alguma diva de Hollywood ou da
MTV do que a supermodelo
brasileira, fazendo a ressalva:
"Sem nenhuma xenofobia"!
Na conceituação inicial, o autor faz distinção entre celebridade, notoriedade e renome. O
renome depende de contato
parassocial pessoal ou direto,
enquanto celebridades são
criações culturais.
A celebridade pode ser conferida, adquirida ou atribuída, e a
notoriedade analisada é, predominantemente, aquela conquistada por "transgressões"
que permitiriam "ao indivíduo
carente de realização o reconhecimento da mídia".
Dois conceitos novos complementam o de celebridade: o
"celetóide", exemplo de sucesso efêmero, cometas na área
dos esportes, heróis do dia; e os
"celelatores", criações satíricas,
personagens de quadrinhos.
Os exemplos estudados, revelando infelicidades, suicídios
e riscos corridos por celebridades como John Lennon, que se
afastou dos holofotes por opção
em diversas ocasiões e acabou
assassinado por um fã, leitor de
[J.D.] Salinger, muda o foco habitual dos estudos.
Isso acontece sobretudo ao
tratar dos jovens criminosos ou
políticos transgressores.
Nesse momento, o papel da
confissão aparece decisivo para
a redenção. Lembramos no caso Ronaldo Fenômeno, que não
fez mal a ninguém, exceto a ele
próprio, ao enjoar de aspirantes a famosas e intermediários
de serviços exclusivos de celebridades e se meter em imensa
confusão.
Ao que parece, a confissão do
jovem -certamente mais sincera que a de Bill Clinton- lhe
salvou os patrocinadores.
Essa aproximação personalizada, no entanto, termina por
levar o autor a centrar-se excessivamente em relações individuais. Repetidas vezes o grande problema que assola as celebridades é o cisma entre o rosto
público e o "eu verdadeiro": "A
celebridade baseia-se na montagem de um rosto público que
necessariamente altera o eu
verdadeiro".
Isso de "eu verdadeiro", a esta altura do debate sobre múltiplas identidades, parece um
pouco revelações na ilha de
"Caras"!
Com esse movimento para o
puramente individual, o autor
se torna especialmente tímido
em relação ao papel da mídia.
Opõe-se à franqueza de uma
Susan Sontag ao dizer que a
afirmação de André Glucksmann "guerra agora é um evento de mídia" é "indecente", ainda que acerte no alvo.
O famoso circo da mídia a celebridades é surpreendentemente poupado quando Rojek
menciona Lady Di apenas a
propósito da bulimia ou do corte de cabelo.
Impossível não lembrar aqui
a força das declarações de Pierre Bourdieu ao falar da cobertura de imprensa na morte da
princesa e dos "que exploravam
muito além dos limites da decência o filão jornalístico".
Temas inadiáveis
O processo eleitoral latino-americano, em que figuras de
presidentes pouco adequadas
ao citado perfil de marketing
político de estilo hollywoodiano conquistam a simpatia dos
eleitores, a ascensão de Barack
Obama [candidato democrata]
nos EUA, a força da cultura da
periferia das grandes cidades
produzindo seus próprios ídolos, a defesa de novas formas de
livre difusão e acesso à cultura,
sobretudo a digital, são questões que vêm trazendo temas
inadiáveis -inclusive no debate sobre o processo democrático na mídia, na gestão da cidade, da política em geral.
O intelectual que limitar suas
análises ao comportamento individual, quer da celebridade,
quer do fã, acabará, como Rojek, vendo na democracia "condição social e psicológica" que
revela apenas "falta generalizada de satisfação", para concluir
sua obra de forma conservadora e simplista:
"Enquanto a democracia e o
capitalismo prevalecerem, haverá sempre um Olimpo, habitado não por Zeus e sua corte,
mas por celebridades elevadas
acima da massa."
Saudades de Bourdieu e suas
pesquisas sobre o "sofrimento
social".
BEATRIZ RESENDE é professora da Escola de
Teatro da UniRio, coordenadora do Fórum de
Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e pesquisadora do CNPq.
CELEBRIDADE
Autor: Chris Rojek
Tradução: Talita M. Rodrigues
Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/ 3525-2000)
Quanto: R$ 38 (224 págs.)
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