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CAÇA-NÍQUEIS
Banalização das cobranças e exploração do jogo são apostas da prefeitura para tapar rombo orçamentário
Em crise fiscal, Nova York fomenta indústria da multa
ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK
Com dores nas costas, uma grávida sentou-se na escada do metrô, foi multada em US$ 50 por isso e entrou para a história como
símbolo de uma das piores crises
fiscais da história de Nova York.
Com um rombo de US$ 3,8 bilhões no caixa da prefeitura, os
nova-iorquinos vêem a polícia
apertar o rigor com as multas a
um nível que tem gerado revolta.
A caça às pessoas que alimentam pombos nos parques e aos
que param o carro diante da própria garagem, porém, não são a
única esperança para tapar o buraco no orçamento.
O Estado de Nova York, também em apuros, quebrou uma
norma de três séculos para permitir que mercados vendam álcool
aos domingos -veto que sobrevivera até ao fim da lei seca.
Além disso, o prefeito Michael
Bloomberg mudou de posição em
relação ao jogo e passou a apoiar
uma medida que vai permitir a
abertura de caça-níqueis pela cidade, uma tentativa de aumentar
a receita com impostos.
A crise é o reflexo mais tardio
dos atentados de 11 de setembro
de 2001, que abalaram de maneira
única a economia de Nova York,
lugar mais afetado pelos ataques.
O desemprego local, mais alto do
que a média nacional, é uma das
pontas da paralisia que diminui a
arrecadação fiscal.
"A gestão de Bloomberg vai ficar marcada pelo problema orçamentário", diz Anthony Townsend, da New York University.
Afogada, Nova York subiu as
alíquotas dos impostos e fechou
algumas unidades do Corpo de
Bombeiros, vistos como heróis
por sua atuação nos atentados.
A reação popular ao aperto, porém, só foi mesmo catalisada após
uma associação de policiais lançar
uma campanha publicitária pedindo à população que não ficasse
brava com os oficiais -segundo a
entidade, eles precisam cumprir
cotas de multas para ajudar o orçamento municipal.
Enquanto a prefeitura nega ter
dado tal ordem, casos estranhos
pipocam pela cidade.
Um homem foi multado porque
usou um engradado de leite como
assento na calçada -a polícia defende a multa dizendo que se tratava de uma região com alto índice de criminalidade.
Outro recebeu notificação porque embalou de forma errada os
jornais para serem reciclados.
Uma mulher foi multada três dias
seguidos em US$ 35 porque parou seu carro batido diante da sua
casa enquanto esperava a resposta do seguro. O motivo alegado
para a punição: faróis quebrados.
Mas foi o caso de Crystal Rivera,
18 anos de idade e seis meses de
gravidez, que deu corpo à epopéia
das multas. Mesmo apontando a
barriga e reclamando de dor nas
costas numa estação do metrô do
Brooklyn, ela não foi perdoada.
"Era difícil me dizer: "Você pode
se levantar'?", reclama Rivera.
Com a pressão à porta por causa
de casos assim, Bloomberg, um
bilionário do ramo das comunicações, tem precisado mostrar
muito jogo de cintura para evitar
que sua impopularidade, já em
nível recorde, cresça mais.
Disse que não havia cotas aos
policiais, apenas "ferramentas de
medição" do desempenho.
Citou a lei. "A Câmara faz as leis,
é trabalho da polícia aplicá-las. Se
as pessoas não gostam de determinadas leis, sugiro que liguem
para a Câmara."
Fez um rapidíssimo mea-culpa.
"Se eventualmente há uma multa
que não faz muito sentido, talvez
no caso da futura mamãe, é uma
pena que isso aconteça."
Mas não escapou de reconhecer
que algumas multas a mais não
são má idéia. "A cidade precisa de
dinheiro. Temos de conseguir recursos em algum lugar, e multas
são adicionais bem-vindos aos
impostos."
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