São Paulo, segunda-feira, 01 de setembro de 2008

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Monges visam apoio do Brasil contra junta de Mianmar

Ativistas dizem que ao menos 3.000 pessoas ainda estão detidas por protestos há um ano

Para exilados, Brasília pode usar influência externa para pressionar por embargo contra a venda de armas ao regime militar birmanês

CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO

As decisões do Brasil terão peso na abertura política de Mianmar (ex-Birmânia), afirmam monges birmaneses exilados que vieram ao país pedir apoio ao embargo à venda de armas para a junta militar, no poder desde 1962. Para o monge Ashin Nayaka, ativista e professor visitante da Universidade Columbia (Nova York), seu país só não é palco de um novo levante popular semelhante ao de setembro último porque a repressão impede.
Falando à Folha, Nayaka disse querer que o Brasil use suas boas relações com a China e outros fornecedores de equipamentos militares da junta para pressioná-los em fóruns internacionais a aceitar o embargo. O monge agradeceu o apoio brasileiro às resoluções críticas ao regime, mas disse que, como "líder no âmbito Sul-Sul" e "aspirante à vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU", o país pode fazer mais.
Com os colegas Ashin Agga Dhamma e Ashin Kawwida, da IBMO (Organização de Internacional de Monges Birmaneses), na sede da ONG Conectas, disparou: a cúpula militar deveria ser julgada por "crime contra a humanidade" no Tribunal Penal Internacional -alternativa descartada pela China e Rússia, com poder de veto no CS da ONU.
Os dois países, a Índia e a Ucrânia são os principais fornecedores militares de Mianmar -um país pobre, mas de vultuoso mercado militar. As Forças Armadas consomem cerca de 40% do Orçamento, contra 3% gastos com saúde. Sem inimigos externos, a principal missão do Exército é sufocar as tentativas de desestabilizar o governo, quase sempre iniciadas nos mosteiros.
"Somos uma das organizações democráticas mais antigas do planeta", sorri Kawwida. Sustentados por doações, os monges birmaneses são responsáveis por serviços sociais básicos e estiveram à frente de grandes revoltas, como o levante contra o domínio britânico na década de 30. "Os monges também passam fome quando o povo não tem o que comer", diz Nayaka, explicando o histórico de mobilização.
Em 1988, os três Ashin participaram dos protestos pró-democracia, que culminaram nas primeiras eleições livres em quatro décadas. Vencida pela oposicionista Aung San Suu Kyi, a votação foi anulada, e uma caçada aos opositores abortou o suspiro democrático. Nayaka e Kawwida deixaram o país. Dhamma foi torturado e preso por cinco anos. "Mas tive sorte", diz. Libertado em 1995, foi sorteado na loteria do "green card" -visto que permite a imigração aos EUA.
Os monges voltaram a tomar as ruas em setembro de 2007. A repressão esvaziou mosteiros e resultou em milhares de prisões. Sob pressão da ONU, a junta escreveu uma Constituição -reservando aos militares 25% do Parlamento e a prerrogativa de dissolver o governo- e convocou um referendo para ratificar a Carta, que prevê eleições em 2010.

Farsa eleitoral
Às vésperas do referendo, o ciclone Nargis varreu Mianmar, matando 80 mil pessoas, no temporal mais mortífero do século 21. Os militares relutaram em aceitar ajuda externa e mantiveram a votação -nas zonas mais atingidas, o pleito foi adiado por duas semanas.
Apesar da calamidade e dos milhões de desabrigados, oficialmente a vitória da junta foi esmagadora. Sem escrutínio da oposição ou de observadores internacionais, o governo divulgou a participação de quase 99% dos eleitores, com mais de 92% de aprovação à Carta. "Foi uma piada", resume o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, relator especial da ONU para Mianmar de 2000 até abril último.
Denunciar a "farsa eleitoral" e conclamar o Brasil a não reconhecê-la foi uma das principais razões da visita dos monges, em agosto. "Não há uma transição democrática; as eleições de 2010 são parte do processo de consolidação do autoritarismo", concorda Pinheiro. A Junta estendeu no mês passado a prisão domiciliar a Suu Kyi e, segundo a IBMO, ao menos 3.000 presos nos protestos de setembro continuam detidos.
A reação brasileira à visita dos monges foi tímida. Na terça-feira, a Câmara dos Deputados, cujo Comitê de Direitos Humanos reuniu-se com os religiosos, aprovou uma nota pública de repúdio às violações de direitos humanos. O Itamaraty não se posicionou sobre o referendo, "questão interna do país", e disse que não há previsão de sanções à junta.


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