São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Em Nova York, "Fome Zero" já funciona

DE NOVA YORK

Ela não tinha ouvido falar de Luiz Inácio Lula da Silva nem de sua proposta até o petista ter sido eleito, mas a norte-americana Julia Erickson pode ser considerada a mãe do "Fome Zero" em Nova York. Presidente da ONG City Harvest, ela passa os dias distribuindo alimentos de graça.
"Sim, na cidade mais rica do país mais rico do mundo, existem pessoas passando fome", disse ela, em entrevista à Folha. E muitas, segundo cálculos de sua organização, que são levados em conta até mesmo nos documentos oficiais da prefeitura da cidade.
Há hoje, em Nova York, 1,5 milhão de habitantes que dependem de doações para se alimentar, sendo que 500 mil deles são crianças e 300 mil são idosos. O principal motivo, segundo Erickson, é "desperdício": "Só de alimentos que seriam jogados fora recolhemos 21 toneladas por dia". (SD)

Folha - Há mais pessoas atrás de alimentos hoje do que antes?
Julia Erickson -
Muito mais. Um estudo que acaba de ser divulgado pelo Departamento da Agricultura mostra que 33 milhões passam fome hoje em dia nos EUA, contra os 31 milhões de dois anos atrás. São americanos que não sabem quando vão comer.
Temos uma "hunger hot-line", uma linha telefônica gratuita, aqui no City Harvest, em que as pessoas descobrem se podem arrumar comida perto de onde estão. Afinal, o número de chamadas tem crescido nos últimos tempos. Em outubro, nós ajudamos 10 mil pessoas, contra 7.400 em outubro de 2001.

Folha - Qual o motivo?
Erickson -
Há dois. As pessoas não têm dinheiro suficiente para viver em Nova York, para pagar o aluguel e comprar comida, ou pagar o aquecimento e comprar comida. Nos anos 90, a maioria dos empregos criados foi no setor de serviços, com salários baixos.
E o aluguel aumentou muito. O preço mínimo para um apartamento hoje em dia é US$ 800, ou seja, mais do que o salário mínimo da região de Nova York [US$ 775]. Ganhando o mínimo, uma pessoa faz US$ 9.300 por ano, e o aluguel custa US$ 9.600. E houve os ataques de 11 de setembro, que levaram 100 mil empregos.

Folha - Desperdiça-se muita comida em Nova York?
Erickson -
Tenho a impressão de que é a cidade do mundo onde mais se joga comida fora. As estimativas oficiais dão conta de algo entre 13 mil e 23 mil toneladas de comida jogada fora por ano. As porções dos restaurantes são grandes, as pessoas sempre compram mais do que comem, os lixos estão sempre cheios de comidas que não foram nem abertas.
Uma parte disso não é aproveitável, mas boa parte é, e gostaríamos de poder recolher essa boa parte. Recolhemos, no ano passado, 9.000 toneladas.

Folha - Um dos primeiros programas anunciados por Lula após a eleição foi o de "Fome Zero". O que a sra. acha disso?
Erickson -
Não conheço o plano em detalhes, mas já estou achando uma ótima idéia.


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