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IRAQUE NA MIRA
Para o reputado historiador britânico, elite republicana crê lutar pela sobrevivência das instituições americanas
"Conflito parece inevitável", diz Garton Ash
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
"Saddam Hussein apresentou à
ONU a maior nota de suicídio da
história", diz o historiador britânico Timothy Garton Ash, 57, diretor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Oxford
(Saint Anthony).
Considerado um dos maiores
especialistas em história européia
no mundo, Garton Ash crê que o
sentimento de antiamericanismo
no continente europeu não é o resultado de uma fratura permanente. "Vamos continuar rindo
uns dos outros."
Entre seus livros estão "Nós, o
Povo" (Companhia das Letras),
sobre o fim do comunismo na Europa, e "History of the Present"
(Penguin), sobre os países da Europa Central nos anos 80 e 90,
combinando jornalismo e história. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ele deu à
Folha por telefone.
Folha - Há ainda uma chance de
não haver uma intervenção militar
liderada pelos EUA no Iraque?
Timothy Garton Ash - São remotas. Eu já disse que o relatório de
armas que Saddam Hussein apresentou às Nações Unidas, com
suas mais de 12 mil páginas, foi a
maior nota de suicídio da história.
Apesar de todos os argumentos
antiguerra de que esse conflito se
daria por petróleo, para garantir a
reeleição do presidente Bush, para desviar a atenção do fracasso
de capturar Osama bin Laden, para ajudar Israel etc., eu não tenho
dúvidas de que a elite republicana
dos EUA vê esses desdobramentos como mais um passo da necessária guerra ao terrorismo, para garantir a própria sobrevivência da América.
Isso pode até não estar absolutamente claro para grande parte
da população, mas está entranhado no pensamento dessa elite que
agora está no poder. Por isso creio
na inevitabilidade desse conflito:
o governo crê estar lutando pela
própria sobrevivência das instituições. Podemos dizer que já está
sendo travada uma guerra.
Folha - A oposição de países importantes da Europa, como Alemanha e França, não ajudam a criar
um sentimento de antieuropeísmo
dentro dos EUA?
Garton Ash - Alguns estereótipos
acabam sendo reforçados, mas
são resultado apenas de uma irritação dirigida a esta situação presente. Não creio que perdurem ou
se espraiem para além do presente. Não há um desagrado tão
grande com os europeus assim,
há apenas o que as grandes potências gostam de repetir: falam demais sem ter poder para sustentar
suas posições. A atitude do americano médio chega a ser mais de
indiferença em relação aos europeus. O americano não pensa
muito no europeu, pois ele não
faz realmente parte de sua vida, de
seus problemas.
Os americanos continuarão a rir
do que chamam de "fraqueza européia", baseados mais no estranhamento de uma cultura diferente do que num debate político
sério, de antagonismos sérios. Assim, do mesmo modo, os europeus vão continuar a fazer graça
de Bush e do "estilo faroeste".
Como eu não me canso de repetir, a luta contra o comunismo
serviu de solda entre os EUA e a
Europa. O que tem de se cuidar é
que a política para o Oriente Médio não sirva de desagregador tão
forte para demolir essa aliança definitivamente.
Folha - Mas já não há um antiamericanismo crescente na Europa?
Garton Ash - É difícil a distinção
entre a crítica pontual e específica
em relação às atitudes de Washington nessa crise e uma hostilidade mais profunda.
Na Europa, eu não creio que essa hostilidade profunda seja tão
presente. Em outras partes do
mundo, como na América Latina,
ela é mais passional.
Folha - O Reino Unido, em seu
apoio ferrenho às posições americanas, não está correndo o risco de
se ver isolado na União Européia?
Garton Ash - Uma coisa é certa
nessa crise: a unidade da Europa,
tão propalada, mostrou que tem
muito caminho a percorrer. Esse
deve ser o grande teste da união,
tentar chegar a uma posição que
coloque na mesma frente os três
líderes que mostram três visões
diferentes do mundo e de como
seus países se inserem nele:
Schröder, Chirac e Blair.
Folha - O sr. sente que está se
criando uma divisão entre a "velha
Europa" (os países ocidentais) e a
"nova Europa" (os países do antigo
bloco comunista), como afirmou o
secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld?
Garton Ash - Há uma enorme diversidade de Europas, não podemos falar numa divisão dual Leste-Oeste. Essa divisão foi mais fruto da Guerra Fria do que outra
coisa. A sensação de uma unidade
no mundo da Europa Oriental,
por exemplo, quando sob o regime comunista não é verdadeira.
Certamente, a tentativa do secretário da Defesa foi criar a sensação de que os países do ocidente
europeu poderiam ficar mais isolados que os ex-comunistas, que
tiveram os EUA como exemplo
para se contrapor ao fechado regime de Moscou. Mas, daí a dizer
que há um bloco homogêneo
identificado com os EUA, é apenas uma escalada retórica. Apela-se para um sentimento de Guerra
Fria e para uma frustração que
muitos desses países sentem.
Quando os países do Leste começaram a ver que realmente
iriam se tornar membros da
União Européia, uma grande ilusão apareceu: "Vamos alcançar a
prosperidade, crescer rápido".
Essas ilusões vão se dissipando,
pois o caminho é duro. Talvez o
discurso de Rumsfeld tenha algum reflexo nesses insatisfeitos,
mas não mudará a balança de poder na região.
Folha - Essa desilusão então não
significaria o fracasso dessa Europa unida?
Garton Ash - Não. Esses países
tem de criar uma identificação
com as instituições européias, o
que não quer dizer uma identificação nacional européia. Para que
a junção desses países do Leste dê
certo, as línguas e as culturas terão
de ser preservadas.
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