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ELEIÇÕES NOS EUA
Sistema que atrasou resultado da eleição de 2000 é substituído, mas especialistas criticam urnas eletrônicas
Dúvidas ainda rondam a Flórida após 4 anos
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Flórida é um Estado ainda sob
suspeita eleitoral. Resolveu o
principal problema que retardou
por 36 dias a divulgação dos resultados finais da eleição presidencial de há quatro anos, ao se desfazer, em maio de 2001, das máquinas de votar baseadas no sistema
de cartões perfurados.
Por causa sobretudo delas, com
quase 40 anos de uso, que 175.010
votos deixaram de ser computados. É pouco diante dos mais de 6
milhões de eleitores que na época
por lá votaram. Mas é muito,
quando se sabe que o republicano
George W. Bush derrotou na Flórida o democrata Al Gore por apenas 537 votos, no embate decisivo
pela sucessão da Casa Branca.
Os velhos aparelhos foram
substituídos por dois sistemas simultâneos. Nos condados menores, cédulas manuais são apuradas por meio de leitura ótica.
Nos 15 maiores condados, com
mais da metade dos eleitores (entre eles, o de Miami) o governo
gastou US$ 24,5 milhões e comprou 7.200 urnas eletrônicas.
Elas são um pouco diferentes
das brasileiras. O eleitor, em lugar
de digitar o número do candidato,
encosta a ponta do dedo na tela
para indicar o concorrente que
pretende eleger.
Mas é justamente aí que começa
uma nova série de dúvidas. "Essas
urnas não são confiáveis. Têm sérios problemas que já apareceram
na eleição estadual de 2002", disse
à Folha Martha Mahoney, professora da Faculdade de Direito na
Universidade de Miami e especialista em questões eleitorais.
Ela cita um exemplo. No condado de Hillsborough, 245 votos foram corretamente registrados pelas urnas eletrônicas, mas um defeito impediu que eles fossem tabulados. Outros problemas surgiram nas primárias deste ano, em
Palm Beach e Broward.
Grupos de pressão se organizaram para pedir uma auditoria técnica independente. E acreditam
que o governo se recusou a fazê-la
para não criar caso em torno de
um episódio a seu ver isolado.
É o que disse à Folha Sandy
Wayland, que preside o mais ativo desses grupos, o Miami-Dade
Election Reform Coalition. Wayland diz que o ex-presidente democrata Jimmy Carter tem toda a
razão ao dizer, como o fez na segunda-feira, em texto no "Washington Post", que "a Flórida não
pode votar com segurança".
Ele preside o Carter Center, instituição que monitora eleições em
países como a Venezuela, a Nigéria e a Indonésia.
Misturar a Flórida no mesmo
saco foi no mínimo humilhante.
O governador Jeb Bush, irmão do
presidente George W. Bush, reagiu com declaração em que acusou Carter de ser "partidário".
Quem saiu em defesa de Carter
foi um dos mais bem-organizados lobbies liberais dos Estados
Unidos, a União Americana pelas
Liberdades Civis (ACLU). Uma
de suas diretoras na Flórida, Alessandra Soler Meetze, disse à Folha
que o problema mais sério das urnas eletrônicas está no fato de ela
não poder emitir uma espécie de
comprovante impresso, pelo qual
o eleitor saberá se o seu voto será
corretamente computado.
A ACLU moveu contra a Flórida
processo numa Corte Federal de
Atlanta (Estado da Geórgia) para
que, em caso de necessidade de
recontagem, houvesse algum
meio de imprimir os resultados
eletrônicos. A decisão do juiz saiu
na última terça-feira. Ele obriga o
Estado a redigir uma nova regulamentação que leve em conta a impressão em caso de resultados
próximos de um empate, como
aconteceu em 2000.
Mas os problemas não se esgotam com as urnas. Há um segundo pacote de controvérsias, relativo a quem pode votar.
Nos EUA, são os Estados que
definem os critérios. E a Flórida
não permite que participem das
eleições cerca de 600 mil cidadãos
indiciados por algum crime grave
ou leve (homicídio, atentado ao
pudor, acidente de automóvel).
A ACLU diz que essa lei, que data de 1868, foi feita para diminuir
os direitos políticos dos escravos
recém-libertos, presos com freqüência por embriaguez ou desacato à autoridade.
E ainda hoje, afirma a entidade,
um a cada três cidadãos negros
tem algo em sua remota ficha corrida que o impede de votar.
Em 2000 o governo do Estado
contratou uma empresa para cruzar os arquivos do Judiciário e da
polícia com as listas eleitorais. Essa empresa incluiu indevidamente entre os politicamente "cassados" cerca de 2.000 negros, em geral eleitores democratas. Mas o fez
com apenas 61 hispânicos, de origem cubana, em geral eleitores do
Partido Republicano.
Martha Mahoney, a professora
da Universidade de Miami, afirma que a mídia saiu atrás do assunto. O governo não queria divulgar lista dos "cassados". A
CNN entrou na Justiça e obteve o
direito de consultá-la. Vieram em
seguida o "Miami Herald" e outro
pequeno jornal do interior.
"É incrível que jornalistas tenham percebido em poucas horas
uma discriminação que as autoridades fingiram desconhecer durante meses", diz a pesquisadora.
As "autoridades" são, justamente, o terceiro núcleo de problemas. Como inexiste nos Estados Unidos uma Justiça Eleitoral,
cada Estado organiza as eleições
segundo sua próprias receitas.
Na Flórida, a autoridade eleitoral é subordinada à Secretaria de
Estado, por sua vez ocupada por
político de confiança do governador. Em 2000, era secretária Katherine Harris, ao mesmo tempo
uma das coordenadoras da campanha de Bush na região. Sua sucessora, Glenda Hood, também é
republicana e empenhada na reeleição do irmão do governador.
Mas nesse ponto os grupos de
pressão estão divididos. A ACLU
não acredita que haja necessariamente um direcionamento partidário na área eleitoral. Seu argumento, dado por Alessandra Soler
Meetze: o Estado é dividido em 67
condados, que têm a mais ampla
autonomia para organizar a votação. Glenda Hood não comanda
esse aparato institucional.
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