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"TOTAL RECALL"
História vitoriosa de imigrante austríaco reúne infância difícil, republicanos, mulheres, esteróides e muito dinheiro
Rico e famoso, Schwarzenegger quer o poder
BERNARD WEINRAUB
CHARLIE LEDUFF
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
Há 35 anos, um halterofilista
austríaco desconhecido que falava poucas palavras de inglês, quase não tinha dinheiro e era totalmente destituído de experiência
como ator foi aos Estados Unidos
e fez uma previsão: disse que se
tornaria astro de cinema, ganharia milhões de dólares, se casaria
com uma mulher glamourosa e
exerceria poder político.
Por mais exagerados que algumas pessoas possam ter achado
seus sonhos, todas as previsões de
Arnold Schwarzenegger se realizaram -menos a última. Pelo
menos por enquanto.
Ao participar da bizarra corrida
eleitoral para tomar o lugar do governador da Califórnia, Schwarzenegger, 56, busca realizar o que
ele certa vez descreveu como seu
"plano mestre". Ao que tudo indica, sua progressão em direção ao
sucesso não foi uma simples obsessão típica de imigrante decidido a fazer sucesso por conta própria. Foi um esforço calculado para transformar-se numa figura invulnerável e poderosa, não apenas em termos físicos.
Além disso, representou o distanciamento total em relação ao
garoto austríaco magrelo cujo pai,
Gustav, policial e antigo membro
do Partido Nazista, o intimidava e
às vezes espancava, além de dar
preferência a seu outro filho, Menhard, segundo relatos publicados da vida de Schwarzenegger
(vale notar que ele não compareceu ao funeral de seu pai, em 1972,
nem ao de seu irmão, morto num
acidente de carro em 1971).
"Arnold tinha fascínio pelo dinheiro e o poder", disse George
Butler, diretor de "O Homem dos
Músculos de Aço" ("Pumping
Iron"), documentário de 1976 que
se tornaria o primeiro sucesso de
Schwarzenegger. "Arnold é um
homem de ambição infinita."
Carreira em declínio
Não é de hoje que Schwarzenegger manifesta interesse pela política, mas o fato é que sua candidatura a governador acontece num
momento em que sua carreira no
cinema entra em decadência. Entre 1982, com o lançamento de
""Conan, o Bárbaro", e 1991, quando foi distribuído ""O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final", Schwarzenegger foi um dos
atores mais populares do mundo.
Mas "O Último Grande Herói",
1992, custou caro e foi um fracasso de bilheteria. À medida que foi
envelhecendo, Schwarzenegger
passou a atuar numa série de comédias: "Irmãos Gêmeos" fez sucesso, mas "Junior" e "Um Herói
de Brinquedo", não. Seus filmes
de ação mais recentes, como
"Efeito Colateral" e "O Sexto
Dia", foram decepções de bilheteria. Seu último filme a chegar aos
cinemas, "O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas",
já arrecadou mais de US$ 145 milhões, mas, devido ao alto custo
de sua produção, não foi muito
lucrativo nos Estados Unidos.
Segundo seu melhor amigo e
antigo colega fisiculturista, Franco Columbu, o desejo insaciável
de sucesso e o senso perfeito de
"timing" de Arnold Schwarzenegger são os responsáveis por ele
ter chegado até onde chegou. "Ele
sabe descer do palco quando está
por cima", disse.
Público e privado
Schwarzenegger possui um nome conhecido que lhe confere
vantagem enorme em relação à
maioria dos outros 134 candidatos à sucessão do governador democrata Gray Davis na eleição especial de 7 de outubro.
Mas o questionamento público
mal começou. Schwarzenegger
ainda não esclareceu suas posições com relação à maioria das
questões, entre elas a crise orçamentária estadual e a imigração.
Com relação ao aborto, porém,
ele já se manifestou a favor do direito de escolha da mulher. Sobre
empresas e negócios, disse que
quer levar mais para o Estado. E,
no que diz respeito à economia,
ele declarou: "Ainda acredito na
redução dos impostos e no poder
do livre mercado".
Ele está sendo questionado
quanto a sua vida privada -foi
acusado de assédio sexual por várias mulheres e de ter sido um admirador de Hitler.
Um perfil detalhado de Schwarzenegger publicado em 2001 pela
revista "Premier" o acusou de ser
mulherengo contumaz, ter comportamentos grosseiros e trair sua
mulher, Maria Shriver. Schwarzenegger qualificou as afirmações
como "lixo".
Em investigação recente de suas
finanças, o "Los Angeles Times"
estimou que sua fortuna seja muito superior a US$ 200 milhões. Isso inclui investimentos imobiliários e uma participação importante na Dimensional Fund Advisors, empresa de fundos mútuos
que administra US$ 40 bilhões.
A ascensão de Schwarzenegger
não foi apenas política, mas também social. Ele fez uso de sua fama inicial para conhecer Jacqueline Kennedy Onassis. Quando foi
lançado "O Homem dos Músculos de Aço", o ator disse ao publicitário do filme, Bobby Zarem,
que a pessoa que mais queria conhecer era Jackie. Um almoço foi
organizado para apresentar o relativamente desconhecido
Schwarzenegger a ela, a Andy
Warhol e a outras pessoas.
"Arnold é uma das pessoas mais
políticas que conheço. Tudo o que
ele faz é político. Ele possui uma
habilidade espantosa de chegar a
uma reunião, sentar-se com pessoas num restaurante e imediatamente avaliar seus pontos fortes e
fracos. Ele manipula as pessoas",
avaliou Butler.
Infância difícil
Arnold Alois Schwarzenegger
nasceu em 30 de julho de 1947 em
Thal, na Áustria, perto de Grazi, e
passou sua infância no mesmo lugar. Sua mãe era dona-de-casa.
Wendy Leigh, autora de uma biografia, escreveu neste ano num
jornal austríaco que o pai do futuro ator tinha um temperamento
brutal e sentia prazer em fazer
seus dois filhos se voltarem um
contra o outro. Segundo ela, Arnold costumava perder nas disputas de boxe ou corrida.
Quando garoto, se tornou fã do
halterofilista Reg Park, astro de
filmes B sobre Hércules. Na autobiografia publicada em 1977,
Schwarzenegger disse que Park se
tornou sua "figura paterna de fantasia". Ele contou que os pais o ridicularizavam e desprezavam como bobagem o sonho de transformar seu corpo e se tornar astro do
cinema. "O ambiente em casa era
muito repressor", disse, em "O
Homem dos Músculos de Aço".
Sua sorte começou a mudar
quando conheceu Joe Weider, a
força motriz por trás da Federação Internacional de Fisiculturismo. Impressionado com o charme e o humor do jovem austríaco
e convencido de que era o tipo de
figura capaz de transformar o fisiculturismo num esporte popular,
Weider o levou aos EUA em 1968.
Aos 20 anos, Schwarzenegger se
tornou o mais jovem vencedor do
Mister Universo, o maior prêmio
amador do esporte (ele conquistaria a coroa outras quatro vezes).
Mas teve mais dificuldade em
conquistar o título profissional,
Mister Olympia, em 1969.
Sua estréia no cinema aconteceu em 1970 e foi pouco promissora: o filme hoje esquecido ""Hercules in New York".
A televisão despertou seu interesse pela política, e, em especial,
pelo Partido Republicano. Columbu contou que ele e Schwarzenegger sempre acharam os republicanos muito mais interessantes
do que os democratas, que os
lembravam do socialismo deprimente que tinham deixado para
trás na Europa. Já os republicanos
representavam o trabalho duro, a
auto-suficiência e uma política
externa "musculosa".
A condição de astro do cinema
levou Schwarzenegger a conhecer
republicanos de alto escalão como Ronald Reagan, o vice-presidente George Bush (pai do atual
presidente) e Pete Wilson, o então
senador e futuro governador da
Califórnia. Schwarzenegger se
aproximou especialmente de
Bush, admirado por seu pragmatismo e sua visão de mundo.
A equipe de campanha de
Schwarzenegger, candidato a governador, é formada por Wilson,
republicano que defende medidas
rígidas de combate à imigração
ilegal, mas que tem uma abordagem mais moderada ao aborto e
outras questões sociais, e alguns
membros de alto nível de sua antiga equipe de Sacramento.
Outra figura de destaque na
campanha é a mulher de Schwarzenegger, Maria Shriver, jornalista de TV e integrante da eternamente democrata família Kennedy. Consta que Shriver atua como fator que contrabalança os republicanos. "Ela encara a disputa
na condição de mulher dele", disse uma ex-assessora de Schwarzenegger, Sheri Annis. "Ela não é
Hillary Clinton -quer promover
Arnold, e não a si mesma."
Ele não votou nas duas últimas
eleições presidenciais. E, nos últimos 20 anos, deu mais dinheiro a
democratas do que a republicanos -se bem que todos os democratas em questão tenham sido da
família Kennedy.
Os setores mais conservadores
do Partido Republicano vêm hesitando em apoiar a candidatura de
Schwarzenegger. Em questões sociais, pelo menos, suas posições
parecem entrar em conflito com
as dos conservadores. Sua perspectiva talvez possa ser resumida
numa entrevista que concedeu ao
"Sunday Telegraph" em 1999, em
que disse que o Partido Republicano "vai perder, a não ser que se
torne o partido da inclusão". "É
preciso receber o estrangeiro que
chega sem dinheiro, tanto quanto
se recebem o gay, a lésbica, qualquer outra pessoa -alguém que
tem pouca instrução, alguém que
venha dos bairros pobres das cidades grandes."
Seu currículo político, extremamente pequeno, inclui um período como presidente do Conselho
de Boa Forma Física no governo
do primeiro presidente George
Bush e o patrocínio da bem-sucedida iniciativa eleitoral californiana Proposta 49, no ano passado,
que canalizou verbas do Estado a
programas voltados aos alunos
após o horário das aulas.
Esteróides e nazismo
Schwarzenegger admite ter tomado esteróides no passado para
aumentar seus músculos. Em
1997, depois de passar por cirurgia de substituição de válvulas
cardíacas, seu médico disse que o
problema não foi provocado pelo
uso de esteróides, mas era consequência de um defeito congênito.
Por volta de 1990, quando já estava interessado num possível futuro na política, Schwarzenegger
procurou o Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles, para tentar avaliar as consequências políticas do passado de seu pai, ligado
ao Partido Nazista.
O centro descobriu que o pai do
ator tentou entrar para o Partido
Nazista em 1938 e que foi aceito
em 1941. Mas os investigadores
não teriam encontrado provas de
que Schwarzenegger, pai, tivesse
cometido crimes de guerra.
Desde então, segundo o rabino
Marvin Hier, fundador e diretor
do Centro Simon Wiesenthal,
Schwarzenegger e sua mulher
passaram a dar muito apoio ao
centro. O casal já teria doado mais
de US$ 1 milhão. "Nenhum outro
astro já doou tanto assim", disse
Hier. "Ele é amigo não apenas do
centro, mas do Estado de Israel."
Schwarzenegger vive com a mulher e os quatro filhos do casal em
Brentwood, um bairro de Los Angeles. Ele deixa claro que está confiante em sua vitória política, assim como já confiou e foi vitorioso no fisiculturismo e no cinema.
Como disse em "O Homem dos
Músculos de Aço": ""Sempre sonhei com pessoas muito poderosas, ditadores e gente assim. Sempre fiquei impressionado com as
pessoas que são lembradas por
centenas de anos".
Tradução de Clara Allain
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