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RÚSSIA
Para especialistas, pleito, que será realizado hoje, é manobrado pela administração russa e não resolve a violência
Aliado de Putin é o favorito em eleição na Tchetchênia
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A eleição para presidente (governador) da república separatista da Tchetchênia, que ocorre hoje, transformou-se em mais uma
etapa do projeto do presidente da
Rússia, Vladimir Putin, de manter
as rédeas do poder.
Assim, de acordo com especialistas consultados pela Folha, não
há nenhuma esperança de que o
pleito seja transparente ou justo
nem de que ele sirva como base
para a solução do sangrento conflito regional, que se intensificou
desde 1999. A eleição presidencial
tchetchena é o ponto alto do plano de paz de Putin para a região.
"A eleição é uma farsa. Há inúmeros candidatos, mas só um tem
chance de vencer. Trata-se do homem escolhido por Putin para
administrar a república secessionista [Akhmad Kadyrov]. O problema é que ele não goza de nenhuma legitimidade aos olhos da
população tchetchena, que, com
razão, o vê como um títere de
Moscou", avaliou Mark Kramer,
especialista em questões russas da
Universidade Harvard (EUA).
Embora tenha liderado um grupo guerrilheiro no primeiro conflito recente na região (1994-1996), Kadyrov, um clérigo muçulmano moderado, foi apontado
por Putin para governar a Tchetchênia em 2000. Desde então, é
malvisto pela população local.
Ele recebeu, anteontem, o apoio
do Kremlin, numa medida fortemente criticada por organizações
não-governamentais que monitoram a situação tchetchena.
Todavia a lista de violações eleitorais não pára aí. O único candidato que tinha alguma chance de
derrotar Kadyrov, o industrial
Malik Saidullayev, foi afastado da
eleição pela Suprema Corte russa
por conta de problemas com sua
inscrição. Outros candidatos desistiram da disputa para "não participar de uma farsa".
Além disso, os ainda adversários de Kadyrov o acusam de realizar uma campanha de intimidação e de extorsão, visando arrecadar fundos para promover sua
candidatura e consolidar seu controle sobre a cena política local.
Para completar o quadro, o
Kremlin decidiu, há dez dias, começar a pagar indenização a
tchetchenos que perderam suas
propriedades por causa do conflito na região, segundo o ministro
russo responsável pela questão
tchetchena. Entretanto as organizações que monitoram a crise criticaram a medida, afirmando que
Moscou busca "comprar votos".
Mesmo o plebiscito ocorrido
em março, cujo resultado oficial
mostrou que 95% dos tchetchenos preferiram manter a região ligada à Rússia, é contestado pelos
separatistas, que falam em fraude.
"Putin não poupará esforços
para mostrar aos russos que está
resolvendo o problema tchetcheno. Vale lembrar que sua eleição
foi fortemente influenciada por
sua ação contra os rebeldes tchetchenos. Assim, ele quer assegurar
aos russos que está cuidando da
questão", apontou Kramer.
"Na verdade, ao dar um verniz
de legitimidade aos administradores tchetchenos pró-Moscou,
sua preocupação maior é evitar
que os separatistas realizem atentados nas grandes cidades russas,
como ocorreu em outubro passado ou em julho deste ano. Tudo o
que lhe interessa agora é a eleição
legislativa de dezembro."
Terrorismo
De fato, para as pretensões eleitorais de Putin -conquistar uma
maioria parlamentar que faça
com que a Duma (Câmara Baixa
do Parlamento) aja conforme
seus interesses-, o terrorismo é
uma ameaça. Em outubro de
2002, guerrilheiros tchetchenos
tomaram um teatro em Moscou,
fazendo cerca de 700 reféns. Na
retomada do teatro pelas forças
especiais russas, 129 reféns e 41 rebeldes tchetchenos morreram.
Em julho último, duas terroristas suicidas detonaram explosivos
e mataram 14 pessoas num festival de rock, perto de Moscou.
Os métodos aplicados pelas forças de segurança russas na república separatista reabriram feridas
do passado. Afinal, em 1944, sob o
regime de Josef Stálin, centenas de
milhares de tchetchenos, acusados de colaboração com os nazistas, foram deportados para a Sibéria e para o Cazaquistão.
"A Rússia tem sido bem mais
violenta desde 1999 do que foi no
primeiro conflito. Grozni [capital
tchetchena] está totalmente destruída atualmente. Os russos são
obrigados a forçar os refugiados a
voltar à região, pois ninguém
quer morar num local em ruínas",
explicou Andrew Bennett, autor
de "Condemned to Repetition:
The Rise, Fall, and Reprise of Soviet-Russian Military Interventionism, 1973-1996" (condenado à
repetição: ascensão, queda e repetição do intervencionismo militar
soviético-russo, 1973-1996).
Mesmo assim, de acordo com
os especialistas, o conflito está
longe de ser resolvido. "A única
possibilidade de solucionar o problema passa por uma negociação
política. O problema é que os russos não aceitam conversar com os
líderes tchetchenos que gozam de
legitimidade aos olhos da população", afirmou Kramer.
Ademais, desde o 11 de Setembro, Putin, que buscará reeleger-se em 2004, ganhou carta branca
da comunidade internacional para pôr fim à rebelião tchetchena,
argumentando que ela é protagonizada por terroristas.
As perspectivas são, portanto,
sombrias. Para Kramer, após a
eleição legislativa russa, o Kremlin deverá lançar uma nova ofensiva contra os insurretos.
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