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ALEMANHA
Hospitais alemães instalam dispositivo para receber crianças abandonadas; projeto causa controvérsia no país
Berlim tem portinhola para mãe deixar bebê
SILVIA BITTENCOURT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BERLIM
O caminho que a jovem mãe toma com seu bebê nos braços circunda uma das alas laterais do
Hospital Waldfriede, no sudoeste
de Berlim. É um caminho isolado,
que corta um jardim, e quem passa por ele mal pode ser observado
das janelas do hospital. Várias
placas indicando a chamada
"babyklappe" mostram onde ele
acaba: numa portinhola de bebês,
que jovens e mulheres necessitadas podem abrir e deixar seus recém-nascidos, garantindo o anonimato delas e a segurança deles.
A "babyklappe" (pronuncia-se
beibeclape e significa portinhola
de bebês) do Hospital Waldfriede
é uma das três instaladas em pouco mais de um ano na capital alemã, com o objetivo de salvar a vida de bebês que correriam perigo
de ser abandonados ou mesmo
mortos por mães desesperadas.
Por ano, cerca de 40 bebês são
achados abandonados na Alemanha, pelo menos a metade deles
sem vida. Considerando os que
não são encontrados, este número deve ser bem maior.
O Hospital Waldfriede não costuma anunciar cada caso em que
sua portinhola é usada. Poucas semanas atrás, porém, os responsáveis pela "babyklappe" fizeram
um balanço para a imprensa: no
primeiro ano do projeto, um total
de quatro mulheres fizeram uso
das três portinholas de Berlim,
entregando de forma anônima
seus filhos para adoção, sem passar por todo o processo que esta
exige.
A "babyklappe" é a portinhola
de uma caixa metálica, instalada
na parede de uma das salas de um
hospital. Dentro da caixa há um
pequeno colchão coberto por
uma manta de pele, lembrando
um cesto para bebês, onde a
criança deve ser colocada. Uma
pequena lâmpada acesa e um sistema de aquecimento garantem
luz e calor ao recém-nascido.
Uma das laterais da caixa é a
portinhola externa, aberta pela
mãe do bebê. A outra, interna, é
usada pelos enfermeiros, chamados por um sistema de alarme
também ali instalado. A portinhola aciona o alarme cerca de dois
minutos depois de ter sido fechada do lado de fora -para dar
tempo à mãe de deixar o local.
Retirado da caixa, o bebê é examinado pelos médicos. Dias depois, o Serviço de Assistência ao
Menor da Prefeitura de Berlim
encaminha o recém-nascido para
uma família, que cuidará dele até
ser adotado.
Uma carta que a mãe encontra
abrindo a portinhola explica que
ela pode mudar de idéia e procurar o hospital para ter a criança de
volta, com a garantia de que não
será acusada de abandono.
A carta também informa que o
hospital oferecerá à mãe toda a assistência necessária se ela decidir
ficar com o filho. Caso a mãe não
se manifeste -como nos quatro
casos registrados em Berlim-, a
criança é liberada para adoção
cerca de dois meses depois.
Polêmica
A primeira "babyklappe" alemã
surgiu na cidade de Hamburgo,
em 2000, pouco depois de um recém-nascido ter sido encontrado
morto num depósito de lixo. O fato chocou a opinião pública do
país, que passou a ser confrontada com números alarmantes sobre a pobreza infantil em uma das
nações mais ricas do mundo.
Calcula-se que mais de 1 milhão
de crianças alemãs vivam em situação beirando a pobreza, com
famílias dependentes de assistência social.
Hoje, cerca de 30 portinholas
-também apelidadas de "janelas", "ninhos de Moisés" ou "portas da vida"- estão espalhadas
pelo país. Sua instituição foi polêmica, começando pelo aspecto jurídico.
Como no Brasil, na Alemanha a
lei obriga o registro de todo recém-nascido. Diferentemente da
maioria dos casos de adoção, a
portinhola descarta para a criança
a possibilidade de, no futuro, procurar sua mãe -e conhecer as
origens é um direito previsto até
por convenção da ONU (Organização das Nações Unidas).
Além disso, perguntam-se juristas, quem garante que um bebê
encontrado na "babyklappe" não
foi colocado ali por outra pessoa,
sem o conhecimento da mãe?
As instituições de defesa do menor e para a adoção também gritaram contra o projeto.
Para elas, a portinhola não fará
diminuir o índice de recém-nascidos abandonados. "Mães que matam seus bebês estão em pânico, e
ninguém procura, em pânico,
uma portinhola", afirma a pedagoga Christine Swientek, da Universidade de Hannover.
Além disso, a "babyklappe" não
resolve o problema das mulheres
que, por medo de serem identificadas, ganham bebês sozinhas,
sem assistência médica. Por isso
os defensores da portinhola fazem também uma campanha pela
instituição do parto anônimo,
ainda proibido na Alemanha.
Fato é que, como não há indícios de maus-tratos, a Justiça alemã vem tolerando a portinhola. A
polícia só é acionada quando há
suspeita de que o bebê tenha sofrido maus-tratos antes de ser entregue.
Já para os defensores da "babyklappe", é o anonimato que garante a salvação de um bebê nascido em condições adversas. "Para nós, trata-se primeiramente de
fazer uma criança sobreviver",
disse à Folha Ursula Künning,
responsável pelo projeto "babyklappe" da organização católica
Caritas, em Berlim.
O projeto faz parte de um programa maior de prevenção e assistência a jovens grávidas e mães
necessitadas, justamente para que
estas não recorram à portinhola.
"Quanto menos bebês aparecerem na "babyklappe", melhor",
acrescenta.
Segundo a pastora Gabriele
Stangl, do Hospital Waldfriede, a
instituição assiste, por mês, de
uma a duas jovens grávidas ou
mães em situação difícil, com o
objetivo de convencê-las a ficarem com seus bebês. A maioria
tem entre 14 e 17 anos de idade.
Na Alemanha, são principalmente instituições católicas e protestantes que realizam o projeto
"babyklappe". O que não surpreende: dez séculos atrás, durante a Idade Média, igrejas e mosteiros na Europa já ofereciam portinholas para mães necessitadas.
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