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PÓS-URSS
Turbulências na Geórgia e na Lituânia, além da mão-de-ferro de Putin na Rússia, indicam precariedade do regime na região
Democracia fracassa no espaço soviético
DA REDAÇÃO
A deposição do ex-presidente
da Geórgia Eduard Shevardnadze
em decorrência de uma revolta
popular, maciços protestos contra o presidente da Lituânia, Rolandas Paksas, acusado de corrupção, a mão-de-ferro com que
o presidente Vladimir Putin controla a "democracia" russa, e as
ruidosas manifestações da população da Moldova contra seu presidente, Vladimir Voronin, e contra a presença de tropas russas em
seu território demonstram a precariedade da tentativa de democratização das ex-repúblicas soviéticas após o final da URSS.
De acordo com especialistas
consultados pela Folha, nenhum
dos sistemas existentes nos 15 países surgidos desde o final da
Guerra Fria na região pode ser
considerado verdadeiramente democrático. "Indubitavelmente, a
democratização ainda não ocorreu. Há diversas razões para essa
constatação, porém as principais
são a ausência de tradições democráticas em sua sociedade e a
mentalidade soviética da população da região", analisou o russo
Alexander Babyonyshev, da Universidade Harvard (EUA).
Com isso, sem o jugo do poder
central soviético, a região se transformou num barril de pólvora, no
qual os direitos humanos mais
básicos são desrespeitados de forma generalizada, de acordo com a
Anistia Internacional. O caso
mais grave, para Babyonyshev, é o
do Turcomenistão. "O presidente
[Saparmurat] Niyazov, que comandava o Partido Comunista,
goza de poderes absolutos e vitalícios e não permite a existência de
uma oposição organizada."
Além do Turcomenistão, as outras cinco ex-repúblicas soviéticas
muçulmanas atravessam graves
problemas sociopolíticos. "O
maior desafio que têm esses países é o da sucessão de seus líderes,
já que, para manter-se no poder,
eles não construíram as instituições necessárias para que uma
transição pacífica pudesse ocorrer. Assim, todos tornaram-se, na
prática, governantes vitalícios",
explicou John Schoeberlein, diretor do Programa sobre a Ásia
Central e o Cáucaso, da Universidade Harvard (EUA).
No Azerbaijão, por exemplo, o
atual presidente é Ilham Aliev, filho do ex-presidente Geidar Aliev,
que se encontra hospitalizado nos
EUA atualmente. Sua eleição,
com cerca de 80% dos votos, foi
considerada fraudulenta por observadores internacionais. Todavia, "talvez por conta de o país ser
rico em petróleo", segundo o
cientista político armênio Asbed
Kotchikian, tanto a Rússia quanto
os EUA apoiaram sua eleição.
Presença americana
O Uzbequistão, aliado dos EUA
-de quem recebe cerca de US$
500 milhões por ano, por conta de
uma base aérea americana em seu
território, que teve a anuência de
Moscou para ser construída- e o
Tadjiquistão, no qual a Rússia
tem forte presença militar, violam
gravemente os direitos humanos
e das minorias. E a presença dos
EUA na região, intensificada após
o 11 de Setembro, é aceita pelos
russos, mas não lhes agrada.
A queda de Shevardnadze ilustrou o descontentamento popular
existente nas ex-repúblicas caucasianas. Não há oposição organizada nem na Armênia nem no Azerbaijão, e eleições recentes também foram consideradas fraudulentas por observadores internacionais nos dois países. Ademais,
ambos estão tecnicamente em
guerra, disputando o controle do
encrave de Nagorno-Karabakh.
Os novos líderes políticos acusam a Rússia de fomentar o separatismo da Abkházia e da Ossétia
do Sul, fomentando uma guerra
civil que matou centenas de pessoas na década passada. Além disso, a exemplo da maioria das outras ex-repúblicas, a corrupção é
um problema endêmico.
Na Moldova, a população exige
a saída dos 1.600 soldados russos
que ainda vivem na Transnítria,
região de numerosa população de
origem russa. Em 1999, os russos
prometeram deixar o país até o final deste ano. Recentemente, contudo, disseram que só poderão
concluir a desmilitarização da região em 2020, gerando a ira da população moldávia e desapontando a comunidade internacional.
"Além disso, a população da
Moldova está cansada de seu presidente, um ex-comunista que
não quer deixar o poder de jeito
nenhum", afirmou Babyonyshev.
A Rússia e a Ucrânia têm uma
relação delicada. Maiores herdeiros da URSS, os dois países ainda
têm problemas relacionados à
minoria russa que vive na Criméia e ao arsenal militar soviético, mas nutrem laços comerciais
bastante estreitos. Belarus, por
sua vez, é a ex-república soviética
mais próxima da Rússia, e uma
eventual união entre os dois países não é descartada.
Ante esse quadro sombrio no
que se refere à democracia, os três
Estados bálticos (Estônia, Letônia
e Lituânia, que entrarão na União
Européia em 2004) parecem ser
exceções. "Tradicionalmente, eles
sempre foram mais próximos à
Europa, o que facilitou a transição. Mas ainda há graves violações aos direitos das minorias no
três países", disse Babyonyshev.
Mesmo assim, a população lituana vem fazendo protestos acalorados contra o presidente, acusado de abuso de poder e de corrupção. Paksas já afirmou, contudo, que não deixará o poder mesmo que sofra um impeachment.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
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