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DIPLOMACIA COM ARTE
Concerto em Washington reúne orquestras sinfônicas dos dois países em um evento simbólico
Pelo menos na música, Iraque e EUA fazem dueto
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A Orquestra Sinfônica Nacional
do Iraque estará se apresentando
depois de amanhã em Washington. Não será uma récita corriqueira de músicos estrangeiros
para o público norte-americano.
Há na organização do evento
um esforço para agregar pequenos simbolismos. A orquestra se
misturará no mesmo palco do
Kennedy Center aos músicos da
Sinfônica Nacional de Washington. Dois maestros se alternarão
para regê-las, o iraquiano Mohammed Amin Ezzat e o norte-americano Leonard Slatkin.
No programa, três compositores ocidentais (Beethoven, Gabriel Fauré e Georges Bizet) e dois
iraquianos (Abdulla Sagirmas e
obra do próprio maestro Ezzat).
O concerto será gratuito. Poderia gerar indiferença. Para evitar a
platéia vazia foi convidado o violoncelista Yo-Yo Ma.
E, por fim, a saudação à orquestra será feita pelo secretário de Estado dos EUA, Colin Powell. Em
suma, um acontecimento mais
político que cultural, mesmo sem
declarações marcadas por intenções ideológicas.
Nenhum grupo artístico do Iraque fora ainda convidado por
Washington depois da guerra que
depôs Saddam. Para os EUA, a orquestra representa o Iraque normalizado e que funciona, longe
dos atentados da resistência.
Marco de liberdade
Para os sunitas de Bagdá com
raízes na cultura ocidental, a orquestra é uma espécie de marco
de liberdade. Parte do público
chorou em junho último, quando
os músicos interpretaram uma
peça patriótica pouco apreciada
pelo ditador deposto e que por isso estava fora do repertório.
A relação da orquestra com a
política é íntima. Criada há 44
anos, ela foi extinta dois anos depois, por uma tosca concepção do
nacionalismo árabe que descartava influências ocidentais.
Mesmo tolerada, foi relegada
em boa parte dos anos 60 a uma
espécie de clandestinidade. Sob
Saddam, passou a ser protegida
por Tareq Aziz, que terminou como vice-primeiro-ministro do regime recentemente deposto.
Seu período de glória ocorreu
há cerca de 30 anos. O petróleo
dava ao Iraque muito dinheiro.
Foram contratados músicos da
Europa do leste. Excursões ao exterior eram frequentes.
Veio então a guerra com o Irã
(1980-88). Músicos foram recrutados para o Exército. Em 1990 o
Iraque invadiu o Kuait, e a ONU
decretou sanções econômicas,
suspensas apenas neste ano.
Passou a faltar de tudo. A penúria da orquestra entrou marginalmente na propaganda de Saddam
contra o embargo. Mesmo assim,
entrou. Wafaa Salman, iraquiana
emigrada nos EUA, manteve um
website com relatos contundentes
nos últimos anos.
Esses relatos sensibilizaram
músicos canadenses, britânicos e
até americanos, que presentearam os iraquianos com cordas,
palhetas, peças para a manutenção de instrumentos de madeira e
metal. E também partituras.
Quando a primeira bomba
americana caiu em Bagdá a orquestra estava desfalcada. Tinha
apenas um oboísta. Estava sem
tuba e sem trombones.
Compreensível que os sobreviventes de Saddam e do embargo
estejam agora aliviados, mesmo
com a atual turnê correndo o risco de ser interpretadas pela resistência iraquiana como um festim
em solo do inimigo.
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