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ENTREVISTA
Para Paulo Sérgio Pinheiro, progressos no Terceiro Mundo compensam restrições do pós-11 de Setembro
Sociólogo vê avanço de direitos, apesar da ação antiterror
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
Primeiro foi o presidente George W. Bush que restringiu as liberdades civis em tempos de conflito.
Agora é a vez do premiê Tony
Blair apresentar ao Parlamento
britânico um projeto de lei que
permite, em situações de emergência, detenções por prazo indeterminado, sem acusação formal,
e até a proibição de manifestações
públicas. Mesmo assim, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro
não se deixa levar pelo pessimismo daqueles que enxergam uma
marcha para trás dos direitos humanos em todo o planeta.
Para Pinheiro, essa é uma conclusão precipitada: "Ao mesmo
tempo em que ocorrem retrocessos há progressos. A maioria dos
países da América do Sul tem hoje
democracia". Atualmente, Pinheiro desenvolve dois trabalhos
para a ONU -é Relator Especial
sobre Direitos Humanos em
Mianmar e coordenador do relatório sobre a violência contra a
criança em todo o mundo.
Folha - Em uma de suas viagens a
Mianmar você descobriu que estavam gravando suas conversas. Como foi esse episódio?
Paulo Sérgio Pinheiro - O incidente em março deste ano, em
que descobri um microfone escondido sob a mesa onde entrevistava um preso, deve ter sido
iniciativa de algum agente mais
zeloso, querendo mostrar serviço.
Depois de ter recebido explicações, dei o incidente por encerrado. A cooperação do governo foi
impecável.
Folha - O que os EUA estão fazendo em Guantánamo não é um sério
retrocesso para a situação dos direitos humanos no mundo?
Pinheiro - É equivocado concluir
que a situação dos direitos humanos foi para trás depois do 11 de
Setembro. O terrorismo se abate
sobre alguns países, mas, em muitos outros, não constitui ameaça.
As situações têm temporalidades
diferentes, ao mesmo tempo em
que ocorrem retrocessos há progressos em vários casos. O Brasil
tem tido muitos avanços. A maioria dos países da América do Sul
tem hoje democracia, os direitos
políticos são exercidos quase plenamente. Quem poderia imaginar isso em 1964?
Folha - Qual o objetivo do relatório sobre violência infantil?
Pinheiro - Estou formando uma
equipe de oito pessoas em Genebra. Esse trabalho deve se estender até 2006. O objetivo é levantar
a questão e fazer com que isso sirva de mobilização. Queremos não
só mostrar as violações, mas também as boas práticas. Não há intenção de fazermos um ranking
mundial dos países mais violentos contra a criança.
Folha - Você costuma dizer que o
maior problema do Brasil é o racismo estrutural. Depois de sua experiência no governo FHC, você diria
que é mais fácil avançar nas leis do
que nas atitudes?
Pinheiro - Não creio, como se
diz, que seja mais fácil avançar
nas leis. O Congresso muitas vezes aprova leis criminais demagógicas, acirrando penas e agravando definições de delitos. É hora de
mais serenidade. Não há nenhuma solução imediata para acabar
com essa violência epidêmica no
Brasil. O Congresso não dota o
Executivo da legislação urgente
para o combate do crime organizado, não consolida as leis penais
disparatadas, atrasa a reforma do
Judiciário e da estrutura policial.
E quem paga são as vítimas.
Folha - O enviado da ONU ao Iraque Sérgio Vieira de Mello pediu,
pouco antes de morrer, vítima de
atentado em agosto, em Bagdá,
que a entidade não deixasse o país.
A retirada não foi um desrespeito?
Pinheiro - É preciso situar aquela
fala na evolução da situação da
ocupação do Iraque pelos EUA.
Acho que o Sérgio teria concordado com a decisão. Não havendo
um mandato claro para atuar e
condições mínimas de segurança,
não havia mais porque ficar.
Folha - O sr. gostaria de fazer carreira na ONU? Acha que pode ser o
sucessor de Vieira de Mello?
Pinheiro - Acho que já trabalho
demais. Carreira mesmo somente
a acadêmica. Ninguém pode pretender ser sucessor de Sérgio Vieira de Mello: ele era o melhor entre
todos. Por isso sua morte é uma
tragédia irreparável.
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