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ELEIÇÃO NOS EUA
Por causa do colégio eleitoral, os candidatos não fazem campanha em Estados onde não têm chances
Bush e Kerry ignoram 60% do eleitorado
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
Apesar de estarem envolvidos
em uma disputa presidencial que
até agora dá mostras de que será
tão acirrada quanto a de 2000, o
republicano George W. Bush e o
democrata John Kerry fazem
campanha apenas para 40% do
eleitorado americano. A razão
que explica por que os dois candidatos decidiram ignorar a maior
parte da população é a mesma
que justifica por que Al Gore,
mesmo tendo conseguido
543.895 votos a mais há quatro
anos, não mora hoje na Casa
Branca: o colégio eleitoral.
Pelo sistema americano, o presidente é eleito em uma votação indireta: o candidato que vence a
eleição em um Estado ganha todos os votos que essa unidade da
federação tem dentro do colégio
eleitoral.
Nesse esquema "o-vencedor-leva-tudo", não faz diferença nenhuma se o candidato perde a
eleição em um Estado pela diferença de um voto ou 20 milhões
de votos. Por isso, democratas e
republicanos são levados a tomar
uma decisão racional: não desperdiçar dinheiro fazendo campanha
em um Estado em que não existem chances de vitória.
Já que o partido fadado à derrota joga a toalha e abandona a disputa no Estado, o partido favorito
também toma outra decisão lógica: sem ter que enfrentar concorrência, resolve investir seus recursos em outra parte do país.
Como nos Estados Unidos não
existe horário eleitoral gratuito no
rádio e na TV, isso significa que
milhões de eleitores chegarão ao
dia da eleição sem terem visto
anúncios de campanha e sem que
os candidatos tenham pisado em
seus Estados ou discutido os assuntos que porventura sejam
prioritários ali.
Estados-pêndulo
Dos 50 Estados americanos, cerca de 30, que representam 60% da
população, encontram-se nessa
situação de abandono. As campanhas de Bush e Kerry resolveram
concentrar seus esforços somente
nos chamados "Estados-pêndulo" (ou "swing states"): aqueles
cujos resultados serão definidos
por margens muito pequenas de
votos -como foi o caso da Flórida em 2000, onde o placar final
marcou 2.912.790 para Bush e
2.912.253 para Gore (uma diferença de 537 votos, ou 0,01 ponto percentual).
Há quatro anos, 16 Estados tiveram resultados com diferenças inferiores a seis pontos percentuais
-sendo que em Oregon, Novo
México, Iowa e Wisconsin não
passou de 0,4. O número de Estados-pêndulo nesta eleição, segundo analistas políticos, varia de 16 a
20, dependendo dos critérios de
cada um.
"Essa é a fraqueza do nosso modelo de colégio eleitoral. Metade
do país não tem realmente campanha eleitoral e isso é uma lástima", julga Kathleen Jamieson, diretora da Escola de Comunicação
Annenberg, da Universidade da
Pensilvânia, e autora de vários livros sobre campanhas presidenciais nos Estados Unidos.
Embora pareça uma aberração
a existência do colégio eleitoral,
seu uso ainda hoje pode ser justificado, segundo Larry Sabato, diretor do Centro para a Política, da
Universidade da Virgínia. "O colégio eleitoral foi planejado para
proteger os interesses dos Estados
menores. Os "Founding Fathers"
[pais da independência americana] foram muito cautelosos em
relação a isso e advertiram contra
a "tirania da maioria". Um voto direto resultaria em ainda mais Estados sendo ignorados. Iríamos
ver candidatos fazendo campanhas somente nos Estados mais
populosos."
Para quem se surpreende com o
fato de que após o fiasco de 2000
os EUA não abandonaram o colégio eleitoral, Jamieson e Sabato
dão razões práticas para a sua manutenção.
"Uma emenda à Constituição
exige a ratificação de três quartos
dos Estados. Isso significa que para derrotar uma proposta basta 13
Estados dizerem não. E mais de 13
Estados, 19 para ser exato, se beneficiam desse sistema", aponta
Sabato.
"Se o partido no governo achasse que teria vantagens, talvez houvesse mudanças. Mas ele chegou
lá por causa do colégio eleitoral. E
o partido fora do poder não vê um
cenário no qual possa ser uma
vantagem no futuro. Lembre-se
de que as previsões uma semana
antes da eleição de 2000 eram de
que Al Gore venceria no colégio
eleitoral e Bush no voto popular",
acrescenta Jamieson.
Primárias e abstenção
Outro problema sério com o sistema de escolha do presidente
apontado pelos analistas é a definição das candidaturas por meio
das primárias partidárias, que
dão uma excessiva importância
aos Estados que vêm primeiro no
calendário das prévias. "Eu moro
na Pensilvânia e jamais votei em
uma primária que tivesse feito
qualquer diferença no resultado
final", diz Jamieson.
"O processo tornou Maine, New
Hampshire e Iowa muito mais
importantes do que deveriam ser,
porque o vencedor ganha toda a
atenção da mídia", afirma Curtis
Gans, diretor do independente
Comitê para o Estudo do Eleitorado Americano.
"Eu passei 85 dias de campanha
somente em Iowa. Veja, Iowa é
um grande Estado, mas 85 dias inteiros de campanha em um único
Estado... Realmente não faz muito
sentido, não é?", disse Michael
Dukakis -candidato democrata
derrotado por George Bush (pai
do atual presidente) em 1988-
em um simpósio na Universidade
de Virgínia em 2001. A população
de Iowa é de 3 milhões (cerca de
1% do total do país).
Gans também aponta entre as
deficiências do sistema eleitoral
americano o desinteresse da população: "Nós tivemos uma queda de participação do eleitor de
25% desde 1960. Menos de 10%
dos eleitores jovens, entre 18 e 19
anos, votaram em 2002".
O índice de comparecimento às
urnas em eleições presidenciais
costuma ficar em torno de 50%
(nas eleições para o Congresso
não chega a 40%). Se considerarmos que apenas a metade dos
eleitores priorizados por Bush e
Kerry sairão de casa no dia 2 de
novembro para votar, poderíamos concluir que a escolha do futuro presidente dos EUA vai ser
definida por apenas um quinto do
eleitorado do país.
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