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ORIENTE MÉDIO
Analistas vêem com ceticismo argumento dos EUA de que a queda de ditador traria regimes mais abertos à região
Democracia pós-Saddam é questionada
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
Um dos principais pilares da
propaganda do governo de George W. Bush para convencer o
mundo da necessidade de um ataque ao Iraque para derrubar Saddam Hussein é que a queda do ditador poderia marcar o início de
uma era de paz, democracia e respeito aos direitos humanos e às liberdades civis no Oriente Médio.
A apresentação da troca de regime em Bagdá como uma panacéia para os problemas que há décadas abalam a região é recebida
com ceticismo nos meios acadêmicos. Os especialistas argumentam que, em primeiro lugar, será
uma difícil missão para Washington instaurar um governo democrático e estável no Iraque. E,
mesmo se tiverem êxito, nada garante que o exemplo iraquiano seria copiado em países como Síria,
Jordânia, Egito ou Arábia Saudita.
"Seria muito bom que o Oriente
Médio se tornasse mais democrático após Saddam, mas isso não
acontecerá", disse à Folha Mark
Tessler, professor da Universidade de Michigan que estuda a opinião pública no mundo árabe. "A
razão de os outros países não serem democráticos não é não possuírem um exemplo a seguir. Mas
sim porque seus líderes não querem compartilhar o poder."
Além da resistência a mudanças, os analistas colocam em dúvida a sinceridade dos EUA quando
dizem buscar a democratização e
o respeito aos direitos humanos
na região. "Isso teria, afinal, um
efeito muito desestabilizador em
aliados dos EUA, como Arábia
Saudita e Egito. Eles dizem querer
acabar com a ditadura no Iraque,
mas estão dispostos a fazer o mesmo no Cairo e em Riad?", indaga
William Hale, professor de política do Oriente Médio da Escola de
Estudos Orientais e Africanos da
Universidade de Londres.
Tessler complementa: "Os EUA
dizem querer apoiar governos democráticos e fazem algumas coisas para ajudar -como o financiamento de algumas ONGs que
trabalham com a sociedade civil.
Mas isso é uma pequena parte de
seu programa". "A maioria das
coisas que fazem é trabalhar com
quem está no poder, sem pressioná-los de forma séria para que se
tornem democráticos."
Desde o fim da Guerra Fria,
quando os EUA tomaram dos soviéticos a condição de principal
parceiro militar de Estados árabes
estratégicos, Washington observa
o cenário doméstico nos países do
Oriente Médio sob as lentes do
realismo político.
O exemplo da Revolução Iraniana de 1979 -na qual militantes conseguiram derrubar um regime aliado dos EUA e criar uma
teocracia islâmica antiamericana- ajudou a moldar a diplomacia da Casa Branca nas décadas
seguintes. Todo movimento político islâmico passou a ser visto como extremista e antiocidental.
Impedi-los de chegar ao poder
passou a ser questão prioritária de
interesse nacional.
Assim, enquanto no campo da
retórica os governantes americanos defendem a exportação da
democracia e dos direitos humanos, na prática seus representantes no exterior são instruídos a
apoiar líderes autoritários como o
egípcio Hosni Mubarak ou os
monarcas saudita e jordaniano.
Tessler lembra que as promessas de Bush de uma nova era no
Oriente Médio pós-Saddam não
são exatamente novas. Seu pai já
prometia algo parecido, há mais
de dez anos, ao término da Guerra
do Golfo (1991). "Bush pai propôs
uma nova ordem mundial, com
desenvolvimento, democracia,
distribuição de renda, combate à
corrupção e mudanças das lideranças. Mas nada mudou. Aquela
nova ordem não levou a lugar nenhum", observa, sugerindo que a
história possa se repetir.
Num artigo intitulado "Miragem democrática no Oriente Médio", Marina Ottaway, Thomas
Carothers, Amy Hawthorne e Daniel Brumberg, do think-tank
americano Carnegie Endowment
for International Peace, dizem
que "a idéia de que, ao derrubar
Saddam, os EUA podem democratizar rapidamente o Iraque e
lançar uma gigantesca onda democrática no Oriente Médio é
uma fantasia perigosa". Segundo
eles, mesmo se levassem adiante
uma agenda agressiva de reformas, "o resultado final em cada
país será resultante mais de fatores domésticos que do vigor reformista americano e europeu".
Os analistas afirmam também
que os novos desafios para a política externa americana após os
atentados de 11 de setembro podem dificultar ainda mais qualquer projeto de liberalização política no mundo árabe.
Washington, afinal, precisa da
cooperação dos serviços de inteligência e de segurança de seus aliados regionais para combater grupos islâmicos com grande base de
apoio no Oriente Médio -como
é o caso da Al Qaeda. "Os EUA
precisam desses regimes na guerra ao terror", diz Tessler. "O país
seguirá trabalhando com os serviços de inteligência do Egito e da
Arábia Saudita, mesmo que não
sejam regimes democráticos."
EUA x Arábia Saudita
Esse mesmo argumento também serve como resposta às proposições de que, de "posse" das
reservas de petróleo iraquianas
no pós-guerra, os americanos deixariam de depender dos sauditas
e permitiriam um esfriamento
das relações entre os dois países.
O diálogo entre Washington e
Riad tem sido turbulento desde os
ataques aos EUA, em razão das
suspeitas e acusações de que integrantes do alto escalão da monarquia saudita seriam patrocinadores de grupos como a Al Qaeda.
Seria, contudo, um passo arriscado para Bush romper com um
país que, além de ser o maior produtor mundial de petróleo, é o
berço do islã e local de origem de
15 dos 19 sequestradores dos
aviões que derrubaram as torres
do World Trade Center.
Embora busque enquadrar os
seus planos de deposição de Saddam Hussein dentro da moldura
moral da defesa da democracia,
dos direitos humanos e das liberdades individuais, o governo dos
EUA -na visão dos estudiosos-
continuará a sustentar outros regimes autoritários e repressivos
depois de um eventual conflito.
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