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HISTÓRIA
Para autor, Massu foi o último grande soldado francês, apesar da imagem de militar violento criada na Guerra da Argélia
Livro "limpa" a biografia do líder da Batalha de Argel
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A Guerra da Argélia (1954-62)
permanece o grande trauma da
França contemporânea, comparável à Guerra do Vietnã (1965-75) para os EUA. O país comemora neste ano 40 anos da assinatura
dos acordos de Evian, definidores
da independência argelina, e dezenas de livros estão sendo publicados, entre eles "Massu, le Dernier Grognard" (ed. Perrin), do
jornalista Pierre Pelissier.
Trata-se de uma biografia do
general francês Jacques Massu, o
homem que comandou a famosa
Batalha de Argel, em 1957. Massu
morreu no último 26 de outubro,
aos 94 anos, acossado até o fim
pelas polêmicas sobre a atuação
de militares franceses na Argélia,
acusados de praticar tortura.
A Batalha de Argel foi um triunfo militar, mas é ao mesmo tempo
uma mácula na história da França. O próprio Massu reconheceu e
lamentou o uso de tortura durante a ocupação da cidade por forças
militares que desmontaram o
aparelho guerrilheiro dos nacionalistas argelinos.
Esse não foi o único acontecimento controverso da carreira de
Massu. Em maio de 1958, ele liderou, desde a Argélia, um "comitê
de salvação pública" que pressionou militarmente para que retornasse ao poder na França o general Charles De Gaulle (1890-1970).
De Gaulle, que estava retirado
da vida pública, foi reconduzido
ao governo -num processo que
para muitos tem características de
golpe militar-, com a incumbência de resolver a questão argelina, que se agravava. Contrariando parte dos militares, entre eles
Massu, De Gaulle optou por defender a independência da Argélia -colônia francesa desde 1830.
Esse é um dos episódios de destaque do livro de Pelissier, 67, que
participou da Guerra da Argélia
como soldado e trabalhou no jornal conservador "Le Figaro".
Ele defende que a importância
de Massu para a história francesa
não se resume ao episódio da Batalha de Argel. O general foi também relevante na resistência aos
nazistas e na liberação da França
(1944). "Massu foi o último grande soldado francês", diz Pelissier
na entrevista a seguir, referindo-se ao título de seu livro ("dernier":
último, "grognard": denominação para soldado da velha guarda,
do tempo de Napoleão).
Folha - Como o sr. descreveria o
papel do general Jacques Massu na
história contemporânea francesa?
Pierre Pelissier - Massu não é
apenas o general da Batalha de
Argel. Ele guardou dessa batalha a
imagem de um homem da violência e do combate à guerrilha. Mas
sua carreira é completamente outra coisa. Ele foi um dos primeiros
a se juntar ao general De Gaulle
em 1940, participou dos combates
de liberação da França e de Paris
em 1944, viveu uma experiência
apaixonante na Indochina, antes
que a guerra começasse, tentando
justamente impedi-la, participou
da crise do Canal de Suez. Tem
uma história militar extraordinária. A Batalha de Argel durou apenas um ano e é apenas uma pequena parte de sua intervenção na
Argélia. Ele permaneceu por lá até
1960, ocupando-se da cidade. Eu
ressaltaria ainda o seu papel no 13
de Maio de 1958, quando impediu
que uma revolução ou uma guerra civil explodisse na França, conseguindo quase sozinho conduzir
De Gaulle ao poder. Massu foi o
último grande soldado francês.
Folha - A vitória de Massu em Argel permanece o ponto mais memorável de sua trajetória. Como
julgar sua participação na guerra?
Pelissier - Ele não decidiu pela
guerra, não a organizou, não a
conduziu nem a concluiu. Então,
ele não tem responsabilidade alguma, em nenhum nível. Ele conduziu e ganhou a Batalha de Argel, que pediram que ele fizesse.
Folha - Não tomou iniciativas que
levaram à tortura de argelinos?
Pelissier - Não. A tortura existia
antes dele e continuou existindo
depois. E não foi ele quem decidiu
que se deveria torturar. Os políticos pediram a Massu e à sua divisão para restabelecer a paz nas
ruas de Argel o mais rápido possível. Ora, quando você não tem um
adversário conhecido na sua frente, quando esse adversário não
usa uniforme, quando se trata de
guerrilha, não há muitas alternativas. Em todo país onde houve
guerrilha aconteceu o mesmo.
Folha - As relações de Massu com
De Gaulle foram sempre marcadas
pela fidelidade mútua?
Pelissier - Sim, uma fidelidade
que não impediu desacordos de
ambas as partes, mas nunca houve rupturas. Penso inclusive que,
se o general De Gaulle tivesse dito
em 1958 que iria fazer a independência da Argélia, o general Massu teria trabalhado por isso. O fato, porém, é que De Gaulle nada
disse a Massu nem a ninguém.
Folha - Massu lamentava a independência da Argélia?
Pelissier - Ele lamentou as condições da independência, mas,
bem mais tarde, reconheceu que a
Argélia seria um peso medonho
para a França. Ele pensava que
nós não soubemos nos retirar
bem do país, que poderíamos ter
ajudado os europeus de lá a se instalarem na França e que deveríamos ter trazido os muçulmanos
que se bateram pela França.
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