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Para o cientista social americano, falcões de Bush acreditam que a guerra seja o meio de o país se fazer reconhecer
Medo do declínio move EUA, diz Wallerstein
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A determinação dos EUA de depor o ditador iraquiano, Saddam
Hussein, é alimentada pelo modo
de pensar dos falcões da administração americana. Eles acreditam
que a guerra contra o Iraque seja
necessária para pôr fim ao declínio da posição internacional americana -que ocorre por conta da
fraqueza e da indecisão da política
externa dos sucessivos governos
americanos desde a Guerra do
Vietnã- e para que o restante do
planeta reconheça e aceite a primazia dos EUA.
A análise é do renomado cientista social americano Immanuel
Wallerstein, 72, um dos maiores
ícones da esquerda mundial, que
é professor da Universidade Yale
(EUA) e autor de, entre dezenas
de outras publicações, "The Decline of American Power: The U.S.
in a Chaotic World" (o declínio
do poder americano: os EUA
num mundo caótico) e de "Geopolitics and Geoculture" (geopolítica e geocultura).
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - O que alimenta a determinação da administração americana
de depor Saddam?
Immanuel Wallerstein - Primeiro, devemos analisar o modo de
pensar dos falcões do governo de
George W. Bush. Eles pensam que
a posição mundial dos EUA está
em declínio desde ao menos a
parte final da Guerra do Vietnã,
nos anos 70. Eles também acreditam que a explicação principal para esse declínio seja o fato de sucessivos governos americanos terem sido fracos e indecisos no que
se refere à política externa do país.
Os falcões pensam que isso ocorreu até durante a administração
de Ronald Reagan [1981-89", embora não ousem dizer isso.
Para eles, há apenas uma receita
para mudar essa situação. Os
EUA devem impor-se à força na
cena internacional e expor abertamente sua vontade de ferro e sua
imensa superioridade militar. Segundo os falcões, quando isso for
feito, o restante do planeta reconhecerá e aceitará a primazia
americana em todas as áreas.
Assim, os europeus entrarão na
linha, os Estados que pretendem
tornar-se potências nucleares
abandonarão seus projetos, a
moeda dos EUA se valorizará, e os
extremistas islâmicos desaparecerão ou serão esmagados. Com tudo isso, ainda de acordo com o
pensamento dos falcões da administração americana, entraremos
numa nova era de prosperidade e
de lucros vultosos.
Folha - Como podemos explicar o
fato de que a maioria da opinião
pública internacional é contrária à
posição dos EUA?
Wallerstein - É justamente por
causa dos falcões que o debate público internacional sobre a necessidade -ou não- de lançar uma
guerra contra o Iraque parece não
ter repercussão em Washington.
O governo dos EUA parece surdo
porque eles têm certeza de que todo mundo está errado e nem se dá
conta disso. Também é importante ressaltar outro aspecto da autoconfiança dos falcões: eles crêem
que uma guerra rápida e com
poucos estragos seja possível. De
acordo com eles, o conflito terá
semanas, não meses.
Ademais, o fato de virtualmente
todos os generais da reserva americanos e britânicos dizerem publicamente que têm dúvidas a respeito da estratégia atual é ignorado por Washington. Os falcões,
que são civis em sua maioria, nem
tentam refutar a opinião desses
generais. Por outro lado, não sabemos quantos generais ainda
ativos pensam da mesma forma
que seus colegas da reserva.
Folha - Ante esse quadro, o que
mais pode fazer a comunidade internacional para evitar o conflito?
Wallerstein - A comunidade internacional tem feito tudo que está a seu alcance para evitar o confronto. Porém ela não conseguirá
nem influenciar a determinação
americana nem assegurar o desarmamento total de Saddam. De
qualquer modo, os EUA invadirão o Iraque mesmo que Saddam
concorde em desarmar-se, o que
não o incentiva a cooperar.
Folha - Qual será o impacto da
guerra contra o Iraque sobre a
atual ordem mundial?
Wallerstein - Ela fará com que o
caos mundial se agrave significativamente, minará a autoridade e
o poder internacionais dos EUA e
motivará a intensificação das atividades de movimentos como a
Al Qaeda [rede terrorista de Osama bin Laden". A médio prazo, o
conflito também poderá provocar
a queda de vários dos chamados
regimes muçulmanos moderados, como o egípcio, e deixará o
Iraque num estado de total baderna. Saddam poderá cair, mas nada garante que Bush venha a obter sua reeleição após a guerra.
Folha - A atual política externa
americana prejudica a legitimidade da ONU?
Wallerstein - A ONU não tem
mais nenhuma legitimidade. Corretamente, ela é vista pela maior
parte das pessoas como uma
agência cuja ação é determinada
pela vontade dos EUA. Trata-se
da primeira vez em que Washington realmente quer algo, mas a
ONU não responde positivamente. Na verdade, penso que isso servirá para aumentar a legitimidade
da organização. Pela primeira vez,
as pessoas pensarão que a vontade do restante do planeta, não a
dos EUA, prevaleceu na ONU.
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